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nº 100 - Os Melhores Contos de Ficção-Científica



Autor: (vários autores)
Título original: Os Melhores Contos de Ficção-Científica (Antologia)
1ª Edição: 1965
Publicado na Colecção Argonauta em 1965
Capa: Lima de Freitas
Tradução (e selecção): Lima de Freitas

Súmula - foi apresentada no livro nº99 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

Para comemorar o nº 100 da Colecção Argonauta, impunha-se lançar mão de uma iniciativa editorial sem precedentes. Impunha-se a organização de um volume que representasse por assim dizer uma súmula do trabalho realizado, e fosse um indicador suficientemente expressivo da intenção primordial a que esta Colecção responde. 
Qual é essa intenção? Quais as razões por que, ao lado de outras tentativas abandonadas a meio caminho por outros pioneiros, conseguiu a Colecção Argonauta manter sem interrupção a sua actividade, por tal forma que alcança neste momento o seu 100º título?
A razão, é simples. Destinada a despertar entre nós o gosto pela literatura de Ficção-Científica, que tão grande êxito alcança nos países cultos, e a satisfazer a ânsia de leitura daqueles que para ela já tinham acordado, a Colecção Argonauta manteve, como ponto de honra, incluir as obras mais representativas dos escritores mais qualificados, independentemente das tendências em que se integram nesse mar profundo e vário que é a Ficção-Científica do nosso tempo. E, assim, a Colecção Argonauta pôde trazer, pela primeira vez, ao nosso público leitor, autores de fama mundial como Asimov, Ray Bradbury, Arthur C. Clarke, John Wyndham, Francis Carsac, e tantos outros entre os que já são verdadeiros clássicos.
Por consequência, tornava-se forçoso que este volume comemorativo exprimisse com indiscutível clareza essa continuidade de orientação que impôs a reputação da Colecção Argonauta e criou, à sua volta, um público fiel e, até, entusiástico. Assim, num volume duplo de mais de quatrocentas páginas, posto à venda pelo preço de um volume simples, o nº 100 da Colecção Argonauta oferece um panorama completo da evolução da Ficção-Científica, desde Júlio Verne aos Astronautas. Entre centenas de autores, entre milhares de obras, foram seleccionados os mais belos contos dos escritores mais representativos em todo o mundo, formando uma antologia de características absolutamente inéditas entre nós. É muito possível que, exactamente por construir uma iniciativa sem paralelo no campo da Ficção-Científica, ela venha a tornar-se brevemente uma raridade bibliográfica, pelo que sugeriríamos ao leitor que reservasse desde já o seu exemplar no livreiro onde habitualmente o adquire.
Não será possível reeditar este livro, que apresenta obras tão valiosas e sugestivas como são estes contos de escritores de tanto prestígio como Júlio Verne, H.G. Wells, Karel Capek, H.P. Lovecraft, Jorge Luís Borges, Rosny Ainé, Daniel Keyes, Povl Anderson, Arthur C. Clarke, Alfred Bester, Fredric Brown, Lester Del Rey, Efremov e Ray Bradbury.
 
Um número histórico, que realmente não é fácil de encontrar! Os contos publicados, são os seguintes:

  1 - Júlio Verne - O Eterno Adão
  2 - H.G. Wells - A Estrela
  3 - J.H. Rosny Ainé - Um Outro Mundo
  4 - H.P. Lovecraft - O Templo
  5 - Karel Capek - R.U.R. Comédia Utópica em Três Actos
  6 - Poul Anderson - A Virgem dos Rochedos
  7 - Daniel Keys - Flores para Algernon
  8 - Alfred Bester - Do Tempo e da Terceira Avenida
  9 - José Luís Borges - As Ruínas Circulares
10 - Arthur C. Clarke - A Estrela
11 - Ivan Efrémov - Cor Serpentis
12 - Ray Bradbury - O Dragão
13 - Fredric Brown - A Arma
14 - Lester del Rey  - Instinto   

Nota interessante: o fantástico conto de Daniel Keys, Flores para Algernon, esteve na base de várias adaptações para o Cinema, sendo as mais conhecidas o filme Charly, de 1968, realizado por Ralph Nelson:






http://www.imdb.com/title/tt0062794/?ref_=sr_2

E também o filme Flowers for Algernon, realizado no ano 2000 por Jeff Blecknet, com Mathew Modine no principal papel, como Charly:


 http://www.imdb.com/title/tt0210044/?ref_=sr_1

Fiquem também com o vídeo relativo às obras do nº 51 ao nº 100.



nº 320 - Mensagens do Futuro



Autor: Isaac Asimov
Título original: The Future in Question
1ª Edição: 1980
Publicado na Colecção Argonauta em 1984
Capa: A. Pedro
Tradução: Eurico da Fonseca 

Súmula - Foi apresentada no livro nº319 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

As novelas curtas, os contos, as short stories são, na opinião de muitos, a expressão mais alta e mais típica da ficção-científica. Mensagens do Futuro é a versão portuguesa de The Future in Question, organizada por Isaac Asimov, Martin Greenberg e Joseph Orlander. Para se avaliar da sua qualidade, basta dizer que dela faz parte a obra-prima de Edmond Hamilton, a célebre What's It Like Out There? - (Como é Aquilo por Lá?), considerada unânimemente como a melhor novela curta de ficção-científica de todos os tempos - a história incrivelmente humana da primeira expedição ao planeta Marte, contada com um verismo e uma dramaticidade que nunca foram ultrapassados.
Outros autores representados na colectânea - que tem uma introdução de Isaac Asimov - são Brian Aldiss, Mark Clifton, Arthur C. Clarke, Robert Sheckley, Robert Silverberg, Ron Goulart, James Triptree Jr., e Kate Wilhelm.

Introdução

A Natureza do Título

Segundo a minha própria maneira de pensar, um título é parte integral de uma história e é por isso que as histórias integradas nesta antologia foram escolhidas tal como foram (para além do facto de, de resto, serem histórias muitíssimo boas).
Posso explicar?
Quando um escritor rumina a história que vai escrever, pensa em coisas diferentes. Pode pensar na ordem dos acontecimentos, enquanto os planeia, e o seu método para alcançar o clímax.; em como ele pode obscurecer um ponto qualquer para evitar que as coisas falhem; em como arranjar a acção de modo a corresponder à personagem e vice-versa - mas não pode deixar de pensar constantemente no ponto central da história, na sua essência.
Muitas vezes, o título exprime esse ponto e surge das ruminações do autor, de modo muito automático e quase inevitável.
Deixem que lhes apresente um exemplo extraído do meu próprio trabalho. Escrevi em tempos uma história chamada "O Rapazinho Feio" . Era sobre uma criança Neanderthal, trazida para o presente e deixada crescer no presente em circunstâncias difíceis. Podia ter-lhe chamado "O Último Neanderthal", o que teria estado bem próximo da verdade, mas não teria representado o objectivo da história.
Na história, uma mulher tomava conta da criança, e a sua interacção com ela não se baseava no facto de ela ser uma Neanderthal. O facto de ele estar fora do teu tempo é que dominava a história e conduzia a uma catástrofe, mas não importava para a mais profunda relação humana. A mulher era repelida pela criança porque era feia - ainda que pudesse ser bela para uma mãe de Neanderthal - mas a mulher acaba também por gostar dela, e isso também tem o seu papel na catástrofe. "Isso", é o principal da história: a aparência superficial não importa e não dita o amor.
Portanto o título deve pôr isso em evidência e ao chamar à história "O Rapazinho Feio", ponho em destaque aquilo que o amor vence: o factor físico, que é tão importante no começo e é tão insignificante e até irrelevante no final. A história significa mais com esse título do que significaria como "O Último Neanderthal".
Não tive de pensar muito para chegar ao título. Quando construí a história na minha mente, pensei automaticamente nela como a história de um rapazinho feio, e foi isso mesmo.
Em minha opinião, a essência de um bom título pesa mais depois de termos completado a história do que antes de a começarmos. Se isso não for verdade, então ou a história ou o título, ou ambas as coisas, são triviais.
Por exemplo, a mais conhecida das minhas histórias curtas é a pequena novela "O Cair da Noite" - (Nightfall), que conta a história de um eclipse de um sol num planeta muito distante. Esse eclipse dura algumas horas e representa uma espécie de cair da noite, a única da sua espécie que o planeta (com seis sóis ao todo) alguma vez teve, fisicamente. Em consequência desse eclipse e da escuridão por ele gerada, os habitantes do planeta, considerando a escuridão inconcebível, enlouquecem e a civilização planetária desmorona-se. O planeta demora séculos a recuperar. 
"Nightfall" refere-se portanto à ocorrência de um breve período de escuridão literal como resultado de um eclipse, e também ao princípio de um longo período de trevas figurativas como resultado do desabar de uma civilização - ambos iniciando-se simultâneamente. O significado aplica-se a ambos com igual força, de modo  que o título é perfeitamente equívoco.
O leitor não poderá deixar de ser afectado pelo título se tiver alguma sensibilidade, e de o ler pensativamente, mesmo que não lhe dê nenhuma atenção consciente. Acontece, simplesmente, que "Nightfall" não teria a mesma eficiência com outro título.
Bem, Marty, Joe e eu, ao planearmos uma antologia e ao desejar usar um plano de organização que fosse novo, pensámos em baseá-lo em títulos.
Mas como classificar os títulos?
Pareceu-nos que escolher títulos que fossem demasiado subtis poderia tornar tudo demasiado subjectivo. No fim de tudo, o que "nós" vemos num título pode não ser o que os "outros" vêem nele. Tivemos de escolher alguma coisa sobre a qual não houvesse discussão, e qualquer coisa que fosse significativa, pois queríamos fazer uma antologia importante, e não uma trivial.
Suponhamos que queríamos fazer uma antologia de histórias com títulos de uma só palavra. É uma possibilidade que daria um índice com uma aparência interessante, mas representaria de facto os títulos dos autores? Por vezes, os títulos de uma só palavra foram escolhidos porque os editores gostaram deles. John Campbell, da "Astounding", adorava títulos de uma só palavra. Pareciam-lhe de bom aspecto na capa das revistas.
Aquilo a que finalmente chegámos, foi à ideia de que seria interessante escolher uma série de histórias extraordinárias da ficção-científica, em relação às quais os autores tivessem achado adequado usar um título que correspondesse a uma pergunta.
Porque não? Uma história realmente boa não responde a tudo. No fim de tudo, a vida não é uma resposta para tudo. Restam ambiguidades. Resta o espaço para a dúvida. O uso de uma interrogação no título, vai pôr em evidência essa inpressão. 
- Bem, Marty, Joe e eu não vamos tentar fazer filosofia sobre as histórias da antologia, mas os títulos são todos perguntas e isso pode ser significativo. Gostaríamos que considerassem pessoalmente essa possibilidade e, quem sabe, pode ser que isso aprofunde o significado dessas histórias para cada um de vós.

Isaac Asimov

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Índice:

Como é Aquilo por Lá? - Edmond Hamilton, (pág. 9)

O falecido Edmond Hamilton foi um dos pioneiros da ficção-científica norte-americana, tendo a sua primeira história The Monster-God of Marmurth, aparecido nos Weird Tales, em 1926. Mais conhecido pelas suas séries Interstellar Patrol e pelas novelas do Captain Future que foram uma característica regular do grupo Standard de revistas de ficção-científica, Hamilton era um escritor muito melhor do que os seus esforços nessa fórmula poderiam indicar. As histórias recolhidas em The Best of Edmond Hamilton (1977), são de uma particular excelência.
What It Like Out There? - (Como É Aquilo Por Lá?), é sem dúvida a sua melhor história, e a interrogação contida no título é a razão por que muitas pessoas lêem (e escrevem) ficção-científica. 

Quem Poderá Substituir o Homem? - Brian Aldiss, (pág. 39)

Quase tão famoso nos Estados Unidos como na sua Inglaterra nativa, Brian W. Aldiss é autor de cerca e vinte e cinco novelas e colectâneas de ficção-científica. São especialmente dignas de nota as novelas Barefoot in the Head (1970), The Dark Light Years (1966), Frankenstein Unbound (1975), e Report on Probability (1969). A sua história The Saliva Tree, ganhou um Nebula em 1965.
A questão do que, se alguém (ou alguma coisa) emergir depois da nossa espécie ter desaparecido de cena tem sido tratada por muitos autores de ficção-científica, mas raramente com a força e a beleza desta história. 

Que Foi que Eu Fiz? - Mark Clifton, (pág. 53)

O falecido Mark Clifton (1906-1963) era um escritor entre os escritores, reconhecido entre os profissionais como um grande talento, capaz de abordar temas difíceis com uma habilidade consumada. A sua profissão não relacionada com a escrita era a de entrevistar o pessoal na indústria, e todo o seu trabalho se caracterizou por uma profunda compreensão da condição humana. Com Frank Riley como co-autor, obteve o Prémio Hugo em 1955 por They'd Rather Be Right, uma das melhores e das mais engraçadas novelas sobre os computadores alguma vez escritas.
Que Foi Que Eu Fiz? - (What Have I Done?), é um brilhante comentário sobre a espécie humana e foi a primeira história publicada por Mark Clifton.

Quem Está Aí? - Arthur C. Clark, (pág. 77)

Um dos mais famosos escritores de ficção científica em todo o mundo, autor de obras que fizeram época, como Childhood's End (1953 - publicado na Colecção Argonauta com o nº 26); Rendez-Vous with Rama (1973 - publicado com o nº 317), Arthur C. Clarke tem também feito importantes contribuições para a divulgação da ciência e foi um dos maiores promotores do voo humano no espaço. A ele se deve também a ideia da utilização dos satélites nas comunicações a nível mundial. As suas histórias e novelas contêm uma ficção-científica dura, cuidadosamente extrapolada, com muita atenção à precisão científica e à probabilidade.
É, portanto, uma surpresa agradável apresentar esta deliciosa história, de um encontro entre um astronauta e um fantasma! 

Você Sente Alguma Coisa Quando Eu Faço Isto? - Robert Sheckley, (pág. 85)

Robert Sheckley tem dado momentos de entretenimento aos leitores de ficção-científica desde que a sua primeira história foi publicada, em 1952. Talvez entretenimento seja uma palavra errada, pois que Bob Sheckley é um escritor sério, duro e cínico, com coisas importantes para dizer sobre a sociedade e sobre os que por vezes tiram proveito dos seus males, a psiquiatria, o real e o irreal e o talvez real.
Esta história mostra Sheckley no topo da sua forma, com a confrontação clássica entre o homem e a máquina. Você Sente Alguma Coisa Quando Eu Faço Isto? - é também a história que dá o título a uma das suas colectâneas mais recentes. 

Porquê? - Robert Silverbert, (pág. 99)

Robert Silverberg produziu mais obras de mérito duradouro em ficção-científica a partir de 1968 que qualquer outro autor. Novelas tais como Dying Inside (1971), Hawskbill-Station (1968), Nightwings (1969), The World Inside (1971), A Time of Changes (1971), The Scholastic Man (1975), para falar somente das primeiras, constituem apenas uma porção da sua produção de qualidade. É difícil crer que o autor de tantas dezenas de livros de ficção-científica e de tantos outros fora desse campo, tenha publicado a sua primeira história apenas em 1954.
Esta é uma colectânea de interrogações, em matéria de ficção-científica,  e a que Robert Silverberg apresenta é uma das mais importantes - porquê ir para o Espaço? Porquê correr os riscos? Porquê?

Que Aconteceu ao Rosca-Moída? - Ron Goulart, (pág. 117)

 Ron Goulart é um mestre de ficção-científica louca, humorística, uma forma pouco apreciada e muito difícil. As suas numeroras novelas e histórias constituem um ataque devastador à cultura americana contemporânea, especialmente em livros como After Things Fell Apart, Crackpot e Gadget Man. A comédia é um assunto sério e Ron Goulart tem um sério talento.
Esta história mostra-o no topo da sua forma, respondendo a uma pergunta que os estudiosos e os mecânicos têm andado a fazer desde tempos imemoriais.

Houston, Houston, Estão a Ouvir-me? - James Tiptree, (pág. 135)

O em tempos misterioso James Tiptree Jr., é o autor de três colectâneas de histórias Ten Thousand Light-years from Home, Warm Worlds and Otherwise e Star Songs of an Old Primate, e também de uma novela Up the Walls of the World. A identidade real de Tiptree foi um segredo cuidadosamente guardado durante anos, mas acabou por se descobrir que se tratava de Alice Sheldon, nascida no Wisconsin. Assim acabou o maior mistério na ficção-científica desde Cordwainer Smith. Miss Sheldon ganhou um Hugo com The Girl Who Was Plugged in (1974 e um Nebula com Love is the Plan the Plan is Death (1973).
Houston, Houston, Estão a Ouvir-me?- é uma das suas melhores. Ainda que o título seja uma frase contemporânea no programa espacial dos EUA, as interrogações que surgem na história são de todos os tempos.

Onde Estiveste, Billy Boy, Billy Boy? - Kate Wilhelm, (pág. 207)

Autora de vinte novelas e colecções de histórias de ficção-científica, Kate Wilhelm é considerada como um dos mais finos talentos que trabalham actualmente na ficção-científica. Ganhou um Prémio Nebula em 1968 com The Planners, e o Prémio Hugo de 1978 com a novela Where Late the Sweet Birds Song. As suas notáveis colecções de histórias incluem The Infinity Box (1975) e Somerset Dreams and Other Fictions (1978). Recorde-se também um dos seus mais recentes livros: Juniper Time (1979).
Onde Estiveste, Billy Boy, Billy Boy? - (Where Have You Been, Billy Boy, Billy Boy?), é uma das histórias mais calmamente assustadoras que alguma vez foram lidas.

A Pergunta Final - Isaac Asimov, (pág. 223)

A pergunta final e, por fim, uma RESPOSTA! Ou antes, uma espécie de resposta.

nº 327 - O Que Será o Futuro


Autor: Isaac Asimov
Título original: The Future in Question
1ª Edição: 1980
Publicado na Colecção Argonauta em 1984
Capa: A. Pedro
Tradução: Eurico da Fonseca 

Súmula - Foi apresentada no livro nº326 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

Das dezassete histórias que constituíam a colectânea The Future in Question, organizada por Isaac Asimov, Martin Greenberg e Joseph Orlander, foram publicadas dez no volume Mensagens do Futuro (nº 320) da Colecção Argonauta. Razões técnicas óbvias impediram que nele fossem incluídas as restantes. Mas estas surgem agora em O Que Será o Futuro. Trata-se de If All Men Were Brothers, Would You Let One Marry Your Sister? - de Theodore Sturgeon; Will You Wait? - de Alfred Bester; Who Goes There? - de John Campbell, Jr,; An Eye for What? - de Damon Knight; I Pinglot, Who You? - de Fredrik Pohl; Will You Walk a Little Faster? - de William Tenn, e Who's In Charge Here? - de James Blish.

Introdução:

Da colectânea "The Future in Question", organizada por Isaac Asimov, Martin Greenberg e Joseph Orlander, foram publicadas dez histórias no volume Mensagens do Futuro (nº 320) da Colecção Argonauta. 
Isso aconteceu por razões técnicas: era obviamente impossível incluir as 17 histórias do original num volume com as dimensões habituais dos da Colecção. Como a ligação entre elas era simplesmente a de conterem uma interrogação no título, decidiu-se publicar as restantes noutro volume, o que se faz agora.
Se as primeiras histórias eram excepcionais, as do presente volume não o são menos. Sem menosprezo para as restantes, importa notar que "e Todos os Homens Fossem Irmãos, Deixarias Que Um Casasse com a Tua Irmã?" ("If All Men Were Brothers, Would You Let One Marry Your Sister?"), de Theodore Sturgeon, e "Quem Anda Aí?" ("Who Goes There?"), de John W. Campbell, Jr., são das melhores (e das mais célebres) entre todas as de ficção científica, em todos os tempos.

Nota: a informação editorial aqui prestada aos leitores é no meu entender, mais uma vez, superficial e despropositada. Penso que neste, como em outros casos, terá pesado mais o facto de poderem dividir uma obra em duas por razões de lucro (assim ganhavam o dobro com apenas uma obra) do que preocupações com a dimensão do volume, facto que aliás após o nº 552 parece ter deixado para a editora de fazer sentido ou merecer qualquer preocupação, já que alteraram o formato e o preço, precipitando incautamente o fim da Colecção Argonauta. Além do mais, é óbvio que ao contrário do que é referido na introdução disponibilizada acima, a ligação entre as histórias não era "simplesmente" o facto de conterem uma interrogação no título, mas sim o de fazerem parte de uma colectânea organizada pelos autores mencionados, facto que devia ter sido respeitado publicando-as todas num único volume, ou então publicando as restantes histórias logo no número a seguir, neste caso o nº 321.

nº 376 - Reflexos do Futuro


Autor: Bruce Sterling
Título original: Mirrorshades
1ª Edição: 1986
Publicado na Colecção Argonauta em 1988
Capa: A. Pedro
Tradução: Eduardo Saló

Súmula - Foi apresentada no livro nº375 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

Desde a Nova Vaga da Ficção-Científica que, como movimento, se impôs na década de 60, que não surge um livro tão ousadamente inovador como Reflexos do Futuro, de Bruce Sterling. Pode afirmar-se que, com esta obra, Sterling atinge o acúmen da imaginação, classificando-se como um dos melhores autores modernos neste género literário. Beleza e tecnicidade - ou, talvez, tecnologia - dão-se as mãos nos contos de Sterling, propondo-nos temas de carácter universal nos quais se espelham uma invulgar ou quase inimaginável inteligência e uma extraordinária argúcia criativa. Reflexos do Futuro é uma obra maior da literatura de antecipação e um jogo no qual um dos parceiros, porventura o mais privilegiado, é o leitor. Não é sem razão que os autores que Sterling apresenta são conhecidos como o grupo dos Neuromatics, uma geração amplamente inovadora que o próprio Isaac Asimov fez incluir no seu célebre magazine de ficção-científica. 

Prefácio:

Este livro apresenta escritores que adquiriram proeminência na década corrente. A sua fidelidade à cultura inglesa distinguiu-os como um grupo - um novo movimento no campo da ficção-científica.
Este movimento foi reconhecido rapidamente  recebeu muitos rótulos: FC Dura Radical, Tecnólogos, À Margem da Lei, Vaga dos Anos Oitenta, Neuromânticos, Grupo dos Óculos Escuros Espelhados.
No entanto, de entre todos os que lhes atribuíram e retiraram ao longo do princípio dos anos oitenta, houve um que perdurou: cibermaníacos
Poucos escritores ficam contentes com rótulos - em particular um de ressonância peculiar como cibermaníaco. As etiquetas literárias contêm um tipo curioso de duplo carácter obnóxio: os seus alvos sentem-se classificados e os outros ignorados. E, curiosamente, a rotulagem de grupos nunca se adapta por completo ao indivíduo, o que origina um permanente desconforto. Daí resulta, pois, que o escritor cibermaníaco típico não existe - essa pessoa constitui apenas uma ficção platónica. No tocante ao resto de nós, o rótulo é um incómodo leito de Procustes - (salteador de Ática, que não satisfeito em despojar os viajantes, obrigava-os a deitarem-se num leito de ferro e cortava-lhes os pés, quando excediam o comprimento deste ou esticava-os com cordas, no caso de não o atingirem) - onde nos aguardam os escritores satânicos para nos fazer cair nele e nos adaptarem à sua medida.
É não obstante, possível desenvolver largas afirmações sobre o cibermaníaco e estabelecer os seus traços característicos. Também o farei dentro de instantes, porque a tentação é demasiado forte para lhe resistir. Os críticos, entre os quais eu próprio, persistem na fabricação de rótulos, mau grado todas as advertências. Temos de proceder assim, porque representa uma fonte válida de discernimento... assim como de grande divertimento.
Espero apresentar neste meu trabalho uma panorâmica completa do movimento cibermaníaco, com a inclusão das suas primeiras balbuciações e a actual situação da arte. Reflexos do Futuro deve proporcionar aos leitores iniciados no Movimento uma ampla introdução aos princípios, temas, e tópicos da cibermania. A meu ver, trata-se de um mostruário de histórias: exemplos vigorosos e característicos do trabalho de cada autor até à data. Evitei as que já foram mesmo largamente divulgadas em antologias, para que mesmo os devotos inabaláveis encontrem nelas novas visões.
A cibermania é um produto do meio social dos anos oitenta - de certo modo, como espero demonstrar mais adiante, um produto definitivo. Mas as suas raízes acham-se profundamente embebidas na tradição sexagenária da ficção-científica popular moderna. 
Os cibermaníacos como grupo estão entranhados na erudição e tradição do campo da FC. Os seus precursores são uma verdadeira legião. Os escritores cibermaníacos individuais diferem nas suas dúvidas literárias, mas alguns dos mais velhos, porventura ancestrais, revelam uma clara e surpreendente influência.
Da Nova Vaga: a marginalidade de rua de Harlan Ellison. O clarão difuso de visionário de Samuel Delany. A liberdade alucinante de Norman Spinrad, a estética dura de Michael Moorcock, o arrojo intelectual de Brian Aldiss e, sempre, J.G. Ballard.
Da tradição mais dura: a concepção cósmica de Olaf Stapledon, a ciência política de H.G.Wells, a extrapolação acerada de Larry Niven, Poul Andersen, e Robert Heinlein. 
E os cibermaníacos manifestam um carinho especial pelos visionários nativos da FC: a inventiva borbulhante de Philip José Farmer, o brio de John Varley, os jogo da realidade de Philip K.Dick, a elevada e excitante técnica beatnik de Alfred Bester. Com uma admiração especial por um autor cuja integração da tecnologia e literatura se mantém insuperável: Thomas Pynchon.
Durante os anos sessenta e setenta, o impacto do chamado último movimento da Nova Vaga provocou uma nova preocupação pelo esmero literário na FC. Muitos cibermaníacos escrevem uma prosa assaz escorreita e graciosa - estão apaixonados pelo estilo e revelam-se (segundo alguns afirmam) instintivamente conscientes ao mínimo lapso. À semelhança dos maníacos de 1977, todavia, atribuem grande valor à sua estética tipo banda de garagem. Adoram abordar a medula cura da ficção-científica: as suas ideias. Alguns críticos opinam que o cibermaníaco está a libertar a FC da influência do seu curso central, mais ou menos como o maníaco despiu o rock and roll das elegâncias sinfónicas do "rock progressista" da década de 1970. (E outros - os tradicionalistas da linha dura da FC com firme desconfiança da "ausência da arte" - discordam com veemência.)
Tal como o músico-maníaco, o cibermaníaco constitui, até certo ponto, um regresso às raízes. Os cibermaníacos são provavelmente a primeira geração de FC que cresce não só no meio da tradição literária da ficção-científica, mas também num mundo verdadeiramente de ciência-ficção. Para eles, as técnicas de "FC dura" - extrapolação, capacidade de divulgação tecnológica - representam não apenas ferramentas literárias como igualmente um auxiliar para a vida quotidiana.
Na cultura pop, a prática figura em primeiro lugar e a teoria segue, coxeando, na sua esteira. Antes da era dos rótulos, a cibermania era simplesmente o Movimento - um nexo "geracional" livre de escritores jovens e ambiciosos que trocavam correspondência, manuscritos, ideias, encómios acalorados e críticas contundentes. Esses autores - Gibson, Rucker, Shiner, Shirley, Sterling - encontravam uma unidade cordial na sua concepção  e temas comuns e até alguns símbolos singularmente comuns, que pareciam brotar do seu trabalho com vida própria. Os Óculos Escuros Espelhados, por exemplo.
Os óculos escuros espelhados têm sido um totem do Movimento desde os primeiros dias de 1982. As razões do facto não são difíceis de abarcar. Ao ocultarem os olhos, os vidros espelhados evitam que as forças da normalidade se apercebam de que uma pessoa enlouqueceu e é possivelmente perigosa. São o símbolo do visionário de olhos fixos no Sol, do ciclista, do rocker, do  polícia e outros marginais similares. Os óculos escuros espelhados - de preferência amarelos e pretos baços, cores estandarte do Movimento - apareciam em história após história, como uma espécie de emblema literário.
Esses protocibermaníacos eram designados sucintamente por Grupo dos Óculos Espelhados. No entanto, outros jovens escritores, de igual talento e ambição, não tardaram a produzir trabalhos que os ligaram inconfundivelmente à nova FC. Eram exploradores independentes, cujas produções reflectiam algo de inerente à década, ao espírito dos tempos. 
Daí o cibermaníaco - rótulo que nenhum deles escolheu. Não obstante, o termo parece actualmente um facto consumado, e existe alguma justiça nele. Com efeito, contém algo de crucial para o trabalho desses escritores, para a década no seu conjunto: um novo tipo de integração. A sobreposição de mundos até então separados: o reino da alta tecnologia e o moderno pop underground
Essa integração tornou-se na fonte crucial de energia cultural da nossa década. A obra dos cibermaníacos desenrola-se paralelamente à cultura pop ao longo dos anos oitenta: no vídeo rock; no underground profundo; na trepidante técnica de rua da música hip-hop e scratch; no rock de sintetizador de Londres e Tóquio. Este fenómeno, esta dinâmica, tem um âmbito global - o cibermaníaco - (N. do T. - ciberpunk) na sua encarnação literária.
Noutra era, essa combinação poderia parecer forçada e artificial. Do ponto de vista tradicional, tem-se registado um profundo abismo cultural entre as ciências e os estudos humanísticos - entre a cultura literária, o mundo formal da arte e política e a cultura da ciência, o mundo da engenharia e a indústria.
No entanto, a lacuna esboroa-se de um modo inesperado. A cultura técnica tornou-se incontrolável. Os avanços da ciência são tão profundamente radicais, tão surpreendentes, inquietantes e revolucionários, que já não se podem dominar. Irrompem na cultura em geral, são invasores, encontram-se em toda a parte. A estrutura do poder tradicional, as instituições tradicionais perderam o domínio do ritmo da mudança.
E, de súbito, torna-se evidente uma nova aliança: uma integração da tecnologia e da contracultura dos anos oitenta. Uma aliança profana do mundo técnico e do mundo da dissensão organizada - o mundo subterrâneo da cultura pop, a fluidez visionária e a anarquia ao nível da rua. 
A contracultura dos anos sessenta era rural, romantizada, anti-ciência e anti-técnica. Mas havia sempre uma contradição latente no seu âmago, simbolizada pela viola eléctrica. A tecnologia rock era o gume estreito da cunha. Com o rolar dos anos, a técnica do rock tornou-se cada vez mais perfeita, expandindo-se na gravação de alta tecnologia, vídeo por satélite e gráficos de computador. Está a revolucionar lentamente a cultura rock de dentro para fora, até que os artistas de gume cortante do pop são, com notável frequência, também técnicos de gume cortante. Constituem magos de efeitos especiais, mestres de mistura, técnicos de efeitos de gravação, autoridades em gráficos, que se salientam através dos novos órgãos da Comunicação para deslumbrar a sociedade com extravagâncias insólitas, como o cinema FX e as récitas globais do Live Aid. A contradição tornou-se uma integração. 
E agora que essa tecnologia atingiu um novo auge febril, a sua influência escapou aos controlo e atingiu o nível da rua. Como Alvin Toffler salientou em A Terceira Vaga - uma bíblia para muitos cibermaníacos -, a revolução técnica que reformula a nossa sociedade não se baseia na hierarquia, mas na descentralização; não na rigidez, mas na fluidez. 
O hacker e o rocker são os ídolos da cultura pop da década, e o cibermaníaco pode considerar-se, em grande parte, um fenómeno pop; espontâneo, enérgico, apegado à suas raízes. Provém do reino em que o hacker do computador e o rocker se sobrepõem, numa iguaria Petri cultural cujos cordões de genes em contorções se unem. Uns consideram os resultados bizarros e mesmo monstruosos, enquanto para outros, a integração é uma poderosa fonte de esperança. 
A ficção-científica - pelo menos, segundo o seu dogma oficial - tem-se debruçado sempre sobre o impacto da tecnologia. Mas os tempos mudaram desde a era confortável de Hugo Gernsback, quando a ciência permanecia solidamente guardada em relicário - e isolada - numa torre de marfim.A tecnofilia despreocupada desses dias pertence a uma época ociosa extinta, em que a autoridade ainda dispunha de uma margem de controlo confortável.
Em profundo contraste, para os cibermaníacos, a tecnologia é uma coisa visceral. Não constitui o génio encerrado numa garrafa de remotos luminares da Grande Ciência - é subtil, totalmente íntima. Não fora de nós, mas junto de nós. Sob a nossa pele; com frequência, nas nossas mentes. 
Ela modificou-se. Já não nos interessam as gigantescas e espectaculares maravilhas do passado: a Barragem Hoover, o Empire State Building, a central de energia nuclear. A técnica dos anos oitenta permanece junto da pele, responde ao contacto: o computador pessoal, o Walkman da Sony, o telefone portátil, as lentes de contacto suaves. 
Alguns temas centrais surgem repetidamente na cibermania. O da invasão do corpo: membros prostéticos, circuitos implantados, cirurgia cosmética, alteração genética. O tema ainda mais poderoso da invasão da mente: computadores cerebrais interfaciais, inteligência artificial, neuroquímica - técnicas que redefinem radicalmente a natureza do ego.  
Como Norman Spinrad referiu no seu ensaio sobre a cibermania, muitas drogas, como o rock and roll, são produtos de alta tecnologia indiscutível. Nenhuma contra-cultura da Terra-Mãe nos deu o ácido lisérgico - proveio de um laboratório da Sandoz, e quando brotou, propagou-se através da sociedade como um incêndio incontrolável. Não foi sem justificação que Timothy Leary proclamou os computadores pessoais como sendo "o LSD dos anos oitenta" - são ambos tecnologias de potencial radical assustador. E, como tais, constituem pontos de referência constante para a cibermania.
Como os cibermaníacos também são híbridos, sentem-se fascinados pelas interzonas: áreas onde, segundo as palavras de William Gibson, "a rua encontra a sua própria utilidade das coisas". Irritantes, irresistíveis desenhos de rua do clássico artefacto industrial, a lata de spray. O potencial subversivo da impressora doméstica e da fotocopiadora. Música áspera, cujos inovadores de gueto convertem o fonógrafo num instrumento que produz uns acordes arquetípicos dos anos oitenta, em que o funk se mistura com o seco método Burroughs. "Tudo depende da mescla" - Isto aplica-se à maior parte da arte dos anos oitenta e é tão extensivo à cibermania como à mania da moda de mistura-e-adapta e à gravação digital de faixas múltiplas.
Os anos oitenta são uma era de reavaliação, de integração, de influências hibridizadas, de velhas noções libertadas e reinterpretadas com uma nova sofisticação, uma perspectiva mais larga. Os cibermaníacos têm em mente um ponto de vista global de amplo alcance.
O Neuromancer, de William Gibson, sem dúvida a quinta-essência do romance do cibermaníaco, desenrola-se em Tóquio, Istambul e Paris. O Frontera, de Lewis Shiner, situa cenas na Rússia e no México - assim como na superfície de Marte. O Eclipse, de John Shirley, descreve a Europa Ocidental em efervescência. O Blood Music, de Greg Bear, é global, cósmico mesmo, no seu âmbito.
As ferramentas de integração global - a rede dos meios de Comunicação via satélite, a corporação multinacional - fascinam os cibermaníacos e figuram constantemente no seu trabalho. O cibermaníaco tem pouca paciência par as fronteiras. O Hayakawa's SF Magazine, de Tóquio, foi a primeira publicação que produziu uma edição "totalmente cibermaníaca", em Novembro de 1986. A revista de FC inovadora britânica Interzone também tem constituído um ninho de actividade da cibermania, incluindo trabalhos de Shirley, Gibson e Sterling, assim como uma série de palpitantes artigos de fundo, entrevistas e manifestos. A consciência global é mais do que um artigo de fé para os cibermaníacos - representa uma busca deliberada.
A acção da cibermania caracteriza-se pela sua intensidade visionária. Os seus escritores enaltecem o bizarro, o surreal, o outrora impensável. Mostram-se propensos - e ansiosos mesmo - para pegar numa ideia e levá-la firmemente para além dos seus limites. À semelhança de J.G.Ballard - modelo idolatrado por muitos cibermaníacos -, empregam com frequência uma objectividade inabalável, quase clínica. É uma análise friamente objectiva, uma técnica inspirada na ciência e depois passada à utilização literária para o valor de choque classicamente da cibermania.
Com essa intensidade de visão, surge uma forte concentração imaginativa. O cibermaníaco é largamente conhecido pelo seu revelador recurso ao pormenor, à intriga construída com meticulosidade, à tendência para introduzir a extrapolação no tecido da vida quotidiana. Mostra inclinação para  prosa "apinhada": erupções rápidas, estonteantes, de informação nova, numa sobrecarga sensorial que mergulha o leitor no equivalente literário da "parede de som" do rock duro. 
A cibermania é uma extensão natural de elementos já presentes na ficção científica, por vezes enterrados, mas sempre ferventes de potencial. Surgiu no interior do género da FC; não constitui uma invasão, mas uma reforma moderna. Em virtude disso, o seu efeito no seio do género foi rápido e poderoso.
O seu futuro representa uma incógnita em aberto. À semelhança dos artistas do punk e da Nova Vaga, os escritores cibermaníacos, à medida que se desenvolvem podem em breve galopar numa dúzia de direcções simultaneamente. 
Parece improvável que qualquer rótulo os contenha por muito tempo. A ficção-científica de hoje encontra-se num raro estado de fermentação. É muito possível que o resto da década assista a uma praga de movimentos generalizada, conduzida por uma geração dos anos oitenta cada vez mais volátil e numerosa. Os onze autores incluídos no presente trabalho, constituem apenas uma parte dessa ampla vaga de escritores, e o grupo no seu conjunto já revela sinais de actividade militante e rebeldia. Impulsionados por uma nova noção do potencial da FC, debatem, repensam, ensinam novos truques e velhos dogmas. Entretanto, as ondulações da cibermania continuam a propagar-se, uma excitantes, provocatórias outras - e algumas "escandalosas", cujos penosos protestos ainda não se ouvem plenamente.
O futuro continua por escrever, embora não por falta de tentativas.
E isto representa uma singularidade da nossa geração de FC: o facto de, para nós, a literatura do futuro ter um longo e honroso passado. Como escritores, temos uma dívida para aqueles que nos precederam, os autores de ficção-científica cuja convicção, empenho e talento nos deliciaram e, na realidade, alteraram as nossas vidas. Essas dívidas nunca são pagas, apenas reconhecidas e - esperamos - transmitidas como um legado aos que nos seguirão.
Mas são devidas outras referências. O Movimento está largamente em dívida para com a acção paciente dos editores da actualidade. Uma parte substancial do material que segue foi obtido da Omni, uma irmã compiladora do género de histórias na vanguarda do ideologicamente correcto, cuja contribuição para esta antologia se revelou inapreciável. Gardner Dozois figurou entre os primeiros a chamar a atenção da crítica par o Movimento em embrião. Juntamente com Shawna McCarthy, tornou a Isaac Asimov's Science Fiction Magazine, um foco de energia e controvérsia neste campo. A Fantasy and Science Fiction de Edward Ferman constitui sempre uma fonte de alto nível. Interzone, a publicação periódica de ficção-científica mais radical de hoje, já foi mencionada, mas o seu quadro editorial merece um agradecimento especial. Assim como Yoshio Kobayashi, nosso elemento de ligação em Tóquio, tradutor de Schismatrix e Blood Music, por favores demasiados numerosos para referir aqui.
E, agora, passemos ao espectáculo.

                                                                                                                    Bruce Sterling  


Contos Publicados:

O Contínuo de Gernsback (William Gibson) - pág. 15

Este conto foi o primeiro trabalho profissional de Gibson publicado.
Nos anos subsequentes, desenvolveu uma produção altamente influente, caracterizada por uma brilhante fusão de ambiente e extrapolação. Os seus romances Neuromancer e Count Zero, contemporâneos da sua Série Sprawn de contos curtos, granjearam-lhe elogios generalizados pela narrativa empolgante, prosa polida e evocativa e representação do futuro pormenorizada e pungente. Estas obras são consideradas textos centrais da ficção-científica contemporânea.
Mas a presente história abriu o caminho. Constituía uma percepção friamente rigorosa dos obstinados elementos do passado - e um toque de clarim de uma nova estética de FC dos anos oitenta.

Olhos de Serpente (Tom Maddox) - pág. 28

Em 1986, a nova estética dos anos oitenta encontrava-se no auge. O estado da sua arte acha-se representado brilhantemente por este conto do escritor virginiano Tom Maddox. 
O autor é professor assistente de línguas e literatura da Universidade Estatal da Virgínia. Não se trata de um escritor prolífico, pois a sua produção até à data consiste num punhado de histórias curtas. Não obstante, o seu domínio da dinâmica da cibermania é inexcedível.
Neste conto de ritmo veloz, intensamente visionário, Maddox move-se, rápida e incisivamente, através de uma vasta gama dos temas e obsessões do Movimento. Olhos de Serpente constitui um exemplo notável da cibermania hardcore moderna. 

A Pecadora (Pat Cadigan) - pág. 52

A carreira de Pat Cadigan principiou com a década. Os seus trabalhos têm revelado uma larga variedade, desde a fantasia negra e terror à ficção-científica mordaz e original.
O seu estilo reveste-se com frequência de um vigor implacável e correntes subterrâneas de humor negro - uma sensibilidade dos anos oitenta cuja designação só pode ser punk. A sua Série Pathosfinder (que inclui histórias desse tipo, como Nearly Departed), notabilizou-se pelo clima visionário sinistro. 
O seu multifacetado talento contém um dom pronunciado para a cibermania hardcore indiscutível. O presente conto, publicado pela primeira vez em 1985, constitui uma franca colisão de alta técnica com os ambientes obscuros.
O seu primeiro romance intitula-se The Pathosfinder. Actualmente, reside no Kansas.

Contos de Houdini (Rudy Rucker) - pág. 62

Rudy Rucker, professor associado de ciência de computadores na Universidade Estatal de San José, é porventura o escritor de ficção-científica mais arrojadamente visionário da actualidade. Desloca-se contra a corrente de muitos autores da especialidade no facto de os seus trabalhos reflectirem, em vez da técnica dura tipo parafusos e porcas, visões radicais inspiradas nos meandros esotéricos da matemática. Alguns dos seus romances mais enaltecidos, como White Light e Software, devem o seu poder imaginativo ao estudo de Rucker da teoria da informação, topológicamente multidimensional e infinitos enquadramentos.
Todavia, a sua obra distingue-se, não por uma aridez filosófica, mas por uma humanidade muito terra-a-terra. E a sua capacidade de narrativa e imaginação fértil estendem-se para além da ideia metafísica. A história que se segue é uma breve, porém perfeitamente construída fantasia. Extraída da sua colectânea de contos curtos intitulada The 57th Franz Kafka, revela a originalidade largamente inventiva do autor no seu clima mais divertido. 
O seu último livro, Mind Tools, quarto trabalho de ciência popular, ocupa-se das raízes conceptuais da matemática e da teoria da informação.

400 Rapazes (Marc Laidlaw) - pág. 70

Os escritores cibermaníacos são conhecidos por conceitos bizarros e uma tendência generalizada para o estranho. Marc Laidlaw consegue distinguir-se, mesmo em semelhante companhia. Os seus trabalhos caracterizam-se por justaposições singulares, ângulos de visão inesperados e um humor negro que descamba para o ultravioleta. Obtém inspiração de uma variedade de influências contemporâneas, com particular carinho por tudo o que é misterioso e intuitivo.
O presente conto demonstra a sua inspirada fusão de elementos, misturando ingredientes de mito apocalíptico com as lendas modernas dos bandos de rua urbanos. 400 Rapazes constitui uma mescla temerária genuinamente sinistra, que se aprecia com muito maior facilidade do que se descreve.
Marc Laidlaw vive em São Francisco e o seu último romance intitula-se Dad's Nuke.

Solstício (James Patrick Kelly) - pág. 89

O primeiro trabalho de James Patrick Kelly foi publicado em 1975. A sua carreira acelerou-se nos primeiros anos da década de 1980, e escreveu quase duas dezenas de contos curtos e dois romances. O seu segundo livro, Freedom Beach, foi escrito com John Kessel e mereceu encómios pela inventiva original e erudição literária divertida. 
À semelhança de Kessel, Kelly tem sido mencionado a par de um grupo despretensioso de escritores de FC dos anos oitenta, em geral identificados como a nova ala esquerda da ficção-científica, oposta (em teoria) aos interesses técnicos mais duros dos cibermaníacos. 
Em 1985, complicou alegremente as coisas ao publicar o conto que se segue, uma extravaganza de alta técnica e arrojo visionário. Produziu depois mais dois, igualmente inventivos e originais, numa auto-proclamada trilogia cibermaníaca. Com o seu exemplo, Kelly demonstrou uma verdade indiscutível na FC: enquanto os críticos dividem e analisam, os escritores unem e sintetizam. 

Petra (Greg Bear) - pág. 132  (nota: achei este conto verdadeiramente excepcional!)

Greg Bear vendeu o seu primeiro conto curto em 1966... aos dezasseis anos. Continuou a singrar pelo bom caminho no final dos anos setenta e princípio dos anos oitenta, quando uma revoada de contos e romances o estabeleceu como um escritor a ter em mente.
A sua obra acha-se fortemente enraizada na melhor tradição intelectual da FC. Autor prolífico, embora disciplinado, orgulha-se do rigor especulativo e respeito pelo facto científico, atitude que o ligou à FC dura tradicional... mau grado os seus enaltecidos trabalhos no campo da fantasia.
À medida que a sua carreira se desenvolvia, os notáveis dons imaginativos acudiram vigorosamente à superfície e receberam ainda maior impacto graças à perícia disciplinada que aprendeu nos primeiros tempos. A combinação produziu uma FC dura genuinamente radical, de extremo poder visionário, facto demonstrado em romances largamente elogiados, como Blood Music e Eon
O conto que se segue, publicado em princípios de 1982, assinalou o salto arrojado de Bear dos limites tradicionais para um novo reino propício à confusão da mente. Com o seu profundo e pormenorizado desenvolvimento de um conceito verdadeiramente fantástico, apresenta a sua técnica no ponto mais alto.

Até que as Vozes Humanas nos Acordem (Lewis Shiner) - pág. 154

Desde a sua primeira publicação, Lewis Shiner escreveu um largo espectro de contos curtos: mistérios, fantasias e terror, assim como FC. Mas a aparição do seu primeiro romance, em 1984, Frontera, demonstrou o seu papel importante na ficção do Movimento. Frontera combina a estrutura da FC dura e clássica com um quadro pungente da sociedade pós-industrial em princípios do século XXI. O poderoso realismo e tratamento pouco encomiástico dos ícones da ficção-científica, suscitaram acesos comentários.
A obra de Shiner caracteriza-se por uma pesquisa profunda e construção friamente meticulosa. A prosa vigorosa e rectilínea revela a sua fidelidade à ficção de mistério rígido, assim como a autores importantes como Ellmore Leonard e Robert Stone. 
Filho de um antropólogo, manifesta predilecção especial pelas estruturas de crenças singulares, como Zeno, a física do quanto e arquétipos míticos. Embora capaz de voos de fantasia bizarros, os seus trabalhos recentes tendem para o realismo directo, despido de sentimentalismos, e um interesse crescente pela política global. O conto que se segue, de 1984, combina imagens míticas e política técnico-social numa mistura cibermaníaca clássica.

Zona Livre (John Shirley) - pág. 169

John Shirley foi com frequência o primeiro a transpor fronteiras que mais tarde se tornaram relva cibermaníaca largamente pisada. Como intérprete do rock, envolveu-se pesadamente na primeira eclosão virulenta do punk na Costa Ocidental. Escritor prolífico, cuja obra inclui romances como City Come A-Walking, The Brigade e a extravaganza de terror Cellars, é bem conhecido pelo seu poder de imaginação pungente e surrealista e explosões de extrema intensidade visionária. 
Zona Livre, é um excerto independente do seu último projecto - a trilogia Eclipse. De âmbito global, narra um estonteante futuro próximo em que o pop, a política e a paranóia colidem pela sobrevivência numa luta de alta técnica. Sempre pioneiro, com uma influência underground de larga gama, a sua utilização das situações globais pode perfeitamente deixar prever um forte fluxo da política radical na ficção-científica.
Vive actualmente em Los Angeles, onde actua com a sua banda. 

Vidas de Pedra  (Paul Di Filippo) - pág. 209 

Paul Di Filippo é um escritor com trabalhos publicados de aparição recente, mas uma obra ainda reduzida. Não obstante, começa a atrair as atenções com o seu âmbito ambicioso e imagística sinistramente visionária. 
A peça que se segue, vinda a lume pela primeira vez em 1985, foi o seu terceiro conto publicado. Com o tema da transformação, mudança social radical e impacto de novas tecnologias, demonstra o firme domínio do autor da dinâmica da cibermania. Vive em Providence, Rhode Island. 

Estrela Vermelha, Órbita de Inverno (Bruce Sterling e William Gibson) - pág. 236

Os contos colaborativos são uma tradição na ficção-científica. E o trabalho colaborativo tem florescido na cibermania, à medida que os escritores que já trabalham estreitamente uns com os outros em conceito e crítica, dão o passo lógico imediato: a criação em conjunto. A colaboração, pela combinação de vozes, permite até certo ponto que o Movimento se exprima com voz própria. 
Reflexos do Futuro termina com duas colaborações. O presente conto, de 1983, constitui o único trabalho em conjunto, até à data, da autoria de William Gibson e Bruce Sterling - considerados largamente figuras centrais da cibermania. Estrela Vermelha, Órbita de Inverno, demonstra o ponto de vista global dos cibermaníacos, assim como o seu apego ao pormenor meticulosamente investigado e inteiramente conseguido.
William Gibson escreveu O Contínuo de Gernsback, que abre esta antologia. 
O primeiro romance de Bruce Sterling foi publicado em 1977, e, até ao momento, escreveu três contos curtos. A sua obra varia através de todos os campos da FC, sem excluir as sátiras cómicas e as fantasias históricas. É porventura mais conhecido pela sua Série Shaper, que inclui o romance Schismatrix, e pela tendência para a ironia, o que o leva por vezes a falar de si próprio na terceira pessoa.
Vive em Austin, Texas. 

Mozart de Óculos Espelhados (Bruce Sterling e Lewis Shiner) - pág. 259

Esta fantasia despretensiosa de viagem no tempo, emergiu num alegre espírito de camaradagem do Movimento. A sua energia impetuosa e sátira política agressiva constituem sinais inequívocos de escritores que consideram que têm pontos de vista a estabelecer: sobre a América, sobre o Terceiro Mundo, sobre o "desenvolvimento" e "exploração". E sobre a ficção-científica: de que a energia e divertimento são seus direitos de património naturais.
A figura de Wolfgang Amadeus Mozart parece revestir-se de uma ressonância especial na presente década, aparecendo no cinema, em peças da Broadway, e em vídeos de rock, assim como na FC. É um caso interessante de sincronismo cultural. Anda algo à solta, nos anos oitenta. E estamos todos envolvidos.

nº 395 - A Nave das Sombras



Autor: Editado por Isaac Asimov
Título original: The Hugo Winners
1ª Edição: 1977
Publicado na Colecção Argonauta em 1990
Capa: A. Pedro
Tradução: Raul de Sousa Machado

Súmula - Foi apresentada no livro nº394 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

O Prémio Hugo, é para a ficção-científica o que o Óscar é para a indústria cinematográfica. Anualmente, por ocasião da convenção mundial de ficção-científica, é concedido um Prémio Hugo ao autor do melhor conto ou romance do género.
Isaac Asimov - o Mestre - reuniu algumas das obras premiadas, precedendo cada uma delas de uma introdução da sua lavra. A característica especial deste prémio é a de serem as histórias escolha dos leitores e não resultado de opiniões dos editores: a primeira história - A Nave das Sombras - conta a vida dos tripulantes de uma nave em órbita em redor da Terra, esquecidos já da existência do planeta imerso em guerra. O autor, Fritz Leiber, leva o leitor a penetrar nos dramas individuais, colocando-o sempre na perspectiva de antecipação do momento em que alguém descobrirá a verdade. A vida na nave decorre aparentemente sem problemas, até que alguém descobre de facto o que se passou, e a partir de então a Nave das Sombras tem o destino marcado. 
No segundo conto de Fritz Leiber - Maus Encontros em Lankhmar - passamos para um local que pode ser a Terra ou outro ponto ideal, perdido no tempo, que o autor tingiu do colorido ambiente medieval com a fantasia própria da literatura especulativa. 
No conto Escultura Lenta, entramos num outro tipo de narrativa em que a emoção e a antecipação se fundem.
Para dar conta da grande diversidade de escolha dos temas a que obedeceu Isaac Asimov na compilação desta antologia, de referir o conto de Poul Anderson - A Rainha do Ar e da Escuridão -, passado num planeta colonizado por terrestres que desconhecem ser este habitado por outros seres, por uma espécie que lhes move uma guerra surda e de desgaste com armas que vão da leitura do pensamento à magia negra.
Na última história - Lua Inconstante -, um casal que passeia ao luar vê com espanto o excesso de brilho da Lua. Pelo telescópio, observam um fenómeno que lhes indica ter o Sol explodido e que é a última noite em que verão o Luar, pois sabem estar condenados. A Lua, normalmente tão suave e romântica, surge-lhes como uma ameaça mortífera. Como será essa última noite de inconstância da Lua?  

Introdução: 

Não Há Duas Sem Três - Isaac Asimov  

Em 1962, coordenei a edição de uma antologia de vencedores do Prémio Hugo - isto é, as histórias galardoadas com os prémios baptizados com o nome Hugo, em homenagem a Hugo Gernsback, pioneiro das revistas de ficção-científica, prémios esses votados anualmente pelos participantes nas Convenções Mundiais de Ficção-Científica. 
Graças a um golpe de brilhante inspiração, designei esta antologia dos vencedores do Prémio Hugo como The Hugo Winners. The Hugo Winners, abarca as convenções compreendidas entre a décima terceira, realizada em 1955 em Cleveland (a primeira em que foram atribuídos Hugos para todas as categorias) e a décima nona, realizada em Seattle em 1961.
Se bem me lembro, concluí então que, perante o clímax atingido pelas atribuições dos prémios Hugo nessas convenções, graças ao aparecimento de uma antologia especialmente dedicada aos vencedores, antologia essa editada por uma pessoa de reconhecido mérito, sã e racional, corajosa e intrépida, decidida, voluntariosa e, acima de tudo, diabolicamente elegante, então só restaria às convenções soltarem um suspiro de alívio e abandonarem tal prática. (Eu próprio queria que assim sucedesse, pois todas essas magnas reuniões revelavam uma lamentável tendência para ignorar os meus trabalhos quando se chegava à altura de atribuir os prémios.)
Contudo, e para minha grande confusão, não foi essa a rota escolhida. As sucessivas convenções continuaram a conferir Prémios Hugo anos após ano e, ano após ano, surgia uma tal profusão de novos vencedores do Prémio Hugo que até eu próprio, talvez por distracção, recebi um par deles. 
Só me restava coligir uma nova antologia sobre o assunto, desta feita cobrindo as convenções compreendidas entre a vigésima, de Chicago (1962) e a vigésima oitava, realizada em Heidelberg em 1970. Socorri-me da minha portentosa imaginação para conceber um novo título para esta nova antologia, e acabei por dar com um dos melhores possíveis: The Hugo Winners, volume Dois. Foi publicada em 1971.
Esta nova iniciativa, contribuiu para mudar o estado das coisas? Antes pelo contrário, parece ter-se acentuado uma tendência para a concepção de histórias cada vez mais compridas, para além de se intensificar a incidência dos empates. O segundo volume tinha o dobro da espessura do primeiro, se bem que cobrisse nove anos enquanto o primeiro abarcava uns meros seis; por seu lado, este terceiro volume, apesar de só englobar seis anos, é tão espesso como o antecedente. (Nota do editor: este parágrafo, bem como o que se segue, referem-se à edição original publicada pela Doubleday & Company.)
De facto, e apesar do presente livro ter sido publicado em 1977, só conseguimos espaço para as convenções desde a vigésima nona (Boston, 1971) à trigésima terceira (Melbourne, 1975). A trigésima quarta convenção - Kansas City, 1976 -, apesar de já ter passado à história, terá de aguardar pelo quarto volume. 
Despachadas que estão as estatísticas relativas às convenções, permitam-me que vos explique uma ou duas coisas acerca destas antologias, tomando como certa a compreensão dos Gentis Leitores (como é meu hábito) quanto ao facto de nada vos estar a esconder. Repararão que estes volumes com os vencedores dos Prémios Hugo são publicados a longos espaços; porque não editá-los com um carácter anual, como se passa, por exemplo, com os volumes anuais dos Prémios Nebula? Há várias razões para isso. (Nota do editor: os Prémios Nebula são conferidos anualmente pela Science Fiction Writters of America; são prémios conferidos pelos escritores, enquanto os Hugos são prémios galardoados pelos leitores.)
1ª - Nem a Doubleday nem eu próprio jamais pensámos em tomar uma iniciativa destas. Em 1961 nem sequer sonhávamos que o apetite dos leitores por antologias seria tal que os poderíamos brindar com uma por ano, em especial porque, de modo a coligir-se um volume digno desse nome, teríamos de incluir também  os diversos concorrentes ao prémio - como se passa com as edições anuais dos Nebula. 
2ª - Os volumes Nebula são publicados em cada ano por um editor diferente. (Por exemplo eu fui o editor do volume de 1973.) Isto significa que nenhum editor terá de ser incomodado ou persuadido mais do que uma vez. (Por acaso faz uma ideia do quão difícil é lidarmos com os vencedores de qualquer prémio? Nenhum deles é tão cordato e simpático como eu.) Para as antologias dos vencedores dos Prémios Hugo, contudo, seria impensável imaginarmos um editor que não fosse eu próprio - ou pelo menos não me estou a lembrar de mais nenhum -, e pelo que me toca tenho que ser cuidadosamente racionado. Como (apesar das aparências) não sou sobre-humano, só consigo editar um volume de tempos a tempos.
3ª - Para além disso, a coisa até resulta. Como estes volumes de vencedores dos Hugos só aparecem a longos intervalos, o público louco com sempre por tudo o que sejam antologias, passa a comprá-las em largas quantidades durante um dilatado período de tempo. A propósito, nem a Doubleday nem eu nem os autores representados nestes volumes nos interessamos pelas recompensas financeiras - estamos muito acima dessas coisas -, preferindo desfrutar do profundo prazer espiritual que sempre foi a satisfação do Gentil Leitor.
Vejamos agora um segundo aspecto. Quando me encarreguei do primeiro volume, vi-me na necessidade de escrever introduções não só às histórias como ao volume como um todo. O padrão habitual dos intróitos deste género sempre foi o de se escrever um trecho filosófico como introdução genérica e umas linhas claramente sicofânticas e louvaminheiras para cada uma das histórias. 
Não sou pessoa para isso. Por um lado, não sou eu que escolho as histórias, são os leitores - pelo que não me compete enaltecer os respectivos conteúdos. Esta realidade é especialmente palpável se por acaso eu não concordar com as decisões dos leitores, como por exemplo sucede quando uma das minhas histórias perde. Em casos como este, tenho de recorrer a todo o meu desportivismo, fingindo que não nutro o mais profundo desprezo pela injustiça daí resultante... mas só o consigo se não me referir em absoluto à história vencedora. 
Por outro lado, nunca tive grande vontade de enaltecer os autores, pois quando esta coisa começou eu nunca tinha ganho um Hugo e, como tal, sentia uma justa indignação perante todos aqueles que perpetuavam a injustiça ao aceitarem os prémios. Assim sendo, resolvi agarrar a oportunidade que me era oferecida para, nas introduções aos volumes, denunciar o regime e, nos intróitos a cada história, insultar o autor. 
Resultou em cheio, e fez-me sentir muito melhor.
Repeti a graça no segundo volume, só que desta vez as dificuldades foram bem maiores.
Não sei se compreende, mas nos velhos tempos, quando eu vivia completamente imerso na ficção-científica, o campo de actuação era bastante reduzido. Por outras palavras, conhecia pessoalmente todos os autores; frequentávamos as mesmas convenções e embebedávamo-nos em grupo (não, não bebo porque preciso; já nasci alcoolizado). Como tal, quando chegava o momento de apresentar uma história escrita por um desses meus queridos amigos, tinha à minha disposição uma mão-cheia de anedotas e episódios pouco dignificantes sobre a pessoa em questão.
Ah, não imaginam o quanto mudaram as coisas!
Para começar, e apesar de ter mantido as minhas ligações à ficção-científica, aproveitando para ir escrevendo histórias e artigos para as revistas especializadas (fundando uma nova revista, a Isaac Asimov's Science Fiction Magazine, publicada pelas Davis Publications e editada por George Scithers, pessoa que mencionei na introdução do segundo volume), não posso deixar de admitir que passei a ocupar o meu tempo com muitas outras actividades. Por outro lado, o número de novos escritores bafejados pelo talento tem vindo a aumentar de ano para ano, pelo que deixei de conhecer pessoalmente a grande maioria.
Não sou pessoa para morder selvaticamente um qualquer desconhecido. Isso é coisa que só se faz aos amigos.
Receio, portanto, que em certos casos o leitor venha a achar-me muito mais brando com o autor do que é meu hábito. Poderá até ver-me a discorrer sobre outro assunto qualquer; em desespero de causa, poderei mesmo violar a minha bem conhecida modéstia e começar a falar de mim próprio. 

1970: 28ª Convenção, Heidelberg - (Isaac Asimov a propósito do conto A Nave das Sombras, de Fritz Leiber) 

Como já deve ter percebido, esta história foi uma das vencedoras da vigésima oitava convenção, a de Heidelberg, em 1970. Obviamente, não participei na convenção. Recuso-me a voar e detesto viajar, pois é coisa que me afasta da máquina de escrever. (Não se ria. Gosta que o afastem da "sua" máquina de escrever?)
Consequentemente, quando consultei um planisfério e constatei que Heidelberg ficava a uns bons dezoito centímetros de Nova Iorque, empalideci e tive de me sentar à máquina para escrever umas boas sete páginas antes de me recompor. Que raio, só muito contrariado é que me sento ao volante do carro para guiar até New Haven, e New Haven só fica a meio centímetro de Nova Iorque...
Seja como for, o que eu queria dizer é que não estava presente quando A Nave das Sombras recebeu o seu Hugo em Heidelberg. Foi por isso que não absorvi devidamente a história, como certamente teria acontecido se tivesse participado na convenção, já que o Fritz ganhara um outro Hugo dois anos antes, na vigésima sexta convenção, a de São Francisco - e eu sempre detestei pessoas gananciosas.
Deste modo, quando lancei mãos à obra e coligi o Volume Dois desta série - o qual cobria as convenções de 1962 a 1970 inclusive -, cometi um pequeno erro. Sabia que tinha havido dois vencedores nas categorias de novelas curtas incluídas naquele volume, mas quando se me deparou "Tempo Considerado como Uma Hélice de Pedras Semi-Preciosas", de Samuel R. Delany, o título pareceu-me tão comprido que o tomei como abarcando ambos os vencedores. Não procurei mais, e foi assim que "A Nave das Sombras" foi inadvertidamente omitida.
Como seria de esperar, fiquei a saber da história mal foi publicado o Volume Dois. Com efeito, o Apêndice, no qual eram listados todos os vencedores de cada categoria revelou-me imediatamente - na coluna relativa à vigésima oitava convenção - a "Nave das Sombras", de Fritz Leiber, galardoada com o Prémio Hugo para a melhor novela.
Naturalmente, muitos dos leitores mais argutos repararam na discrepância, o que me levou a receber uma carrada de cartas escritas por aqueles que tinham escrutinado minuciosamente o volume acabado de publicar (alguns deles devem mesmo ter espreitado para debaixo da mesa, não se fosse dar o caso da novela ter caído ao chão), sem que ali encontrassem esta novela. Fui então acusado de ter sido subornado pela notória facção anti-Leiber dos Science Fiction Writters of America.
(O que nem de longe corresponde à verdade. Não há nenhuma facção anti-Leiber, toda a gente gosta do Fritz. Confesso que já aceitei luvas para excluir o Harlan Ellison, mas como o ponho sempre ao corrente da tramóia, ele faz-me o favor de duplicar o suborno para que eu o inclua.)
Prometi a toda a gente que a história seria incluída numa antologia na primeira oportunidade, e a oportunidade surgiu agora. Peço-te imensa desculpa, Fritz. Sei que já devias estar a receber direitos de autor por esta história há mais de seis anos, pelo que dou graças aos céus por seres daqueles que entregam todos os direitos de autor às instituições de caridade. 

1971: 29ª Convenção, Boston - (Isaac Asimov a propósito do conto Maus Encontros em Lankhmar, de Fritz Leiber)

Retiro o que disse: sinto-me satisfeitíssimo por ter omitido a "Nave das Sombras", do Fritz, no Volume Dois. Imaginem o que eu não sofri durante todos esses anos, roído de remorsos sempre que pensava no prejuízo financeiro que impus ao Fritz. Momentos houve em que me senti tão infeliz e contrito que cheguei a encarar seriamente a possibilidade de lhe enviar uma certa verba para o compensar das perdas - do meu próprio bolso, entenda-se Talvez cinco dólares, ou mesmo uns dez.
Agora já não. O miserável nem um tostão merece.
Como já devem ter reparado, não acredito que se sintam espantados perante a minha honesta indignação. Depois de ter arrebatado o "Hugo" para a categoria de novelas em 1970, não é que o rapaz conseguiu idêntico galardão no ano seguinte? Tanto a vigésima oitava como a vigésima nona convenções foram vítimas das suas depredações - a única vez em toda a história deste prémio em que um mesmo autor é distinguido em dois anos sucessivos. Só um patife dos piores conseguiria semelhante proeza.
Acham que o Fritz teve pena dos outros? Julgam por acaso que terá pensado uma vez que fosse em todos aqueles virginais autores à espreita da sua oportunidade, sentados a roerem as unhas de nervoso, as maçãs do rosto coradas de timidez e antecipação, momentos antes de ser anunciado o nome do vencedor? 
Portanto aqui têm: duas histórias do Leiber com um total de quarenta mil palavras logo a abrir o Volume Três. Só estas duas abocanham o espaço correspondente a mais ou menos meio romance. Será possível que haja mais alguém capaz de escrever histórias dignas de um "Prémio Hugo", para além do nosso velho Fritz? 
A propósito, com esta convenção se realizou em Boston, aproveitei para lá ir. Poucos meses antes, tinha-me mudado definitivamente para Nova Iorque, de modo que uma deslocação a Boston não era coisa que me preocupasse sobremaneira, isto se atendermos à maneira como sempre encarei as viagens longas. A vigésima nona foi a convenção mais bem organizada a que me foi dado assistir; se bem me lembro, o Robert Silverberg era o anfitrião.
Portou-se à altura do seu ar solene e satânico, sempre altaneiro em relação a tudo o que o rodeia. É curiosos como o Robert nunca altera a expressão quando nos inunda com os seus habituais comentários satíricos; o marcado contraste entre a cara que faz e as palavras que diz leva qualquer assistência ao delírio.
Eu cá fico cheio de inveja, pois a sorte não me bafejou com os seus dotes naturais. A minha expressão franca, aberta e ingénua revela sempre um bom humor inigualável, de modo que as pessoas estão sempre à espera de uma piada, o que me leva a perder o tão apetecido efeito de surpresa. Sei bem que é assim, pois as mais das vezes, quando me levanto para falar, as pessoas começam a rir-se antes mesmo de eu abrir a boca. 

1971: 29ª Convenção, Boston - (Isaac Asimov a propósito do conto Escultura Lenta, de Theodore Sturgeon)

Conheci o Ted pela primeira vez já lá vai perto de um terço de século, quando era um rapaz novo, agarotado e bonito. Vi-o há bem pouco tempo a bordo de um belo navio, o "Statendam", na primeira quinzena de Dezembro de 1972.
Descíamos então a costa da Florida, para assistir ao lançamento da Apolo 17 para a Lua, na última das viagens tripuladas ao nosso satélite natural. O lançamento foi ainda mais belo por ter sido feito de noite, mas no meu caso a viagem foi formidável desde o princípio, já que no cais, quando aguardava a hora do embarque, com quem eu daria eu de caras se não com o bom do Ted, vestido com um casaco de antílope e acompanhado pela mulher e pelo filho mais novo.
Lembro-me muito bem que a mulher dele, a Weena, era nova, feminina e muito bonita, mas aquilo de que me lembro melhor foi o interesse dela pelos alimentos naturais, assunto sobre o qual me falou com toda a seriedade já a bordo do navio. (Nunca percebi muito bem porque é que as pessoas estão sempre a dar-me conselhos sobre esta ou aquela dieta. Sei tudo o que há a saber sobre isso: para ter a certeza de que não me faltam nenhumas das vitaminas e minerais importantes, como por norma tudo o que me aparece pela frente. O mais curioso é que, depois de ter acabado a palestra, a rapariga acendeu um cigarro.)
Tive de lhe responder:
- Se estás assim tão preocupada com a minha saúde, talvez seja melhor preocupares-te com a tua.
Tirei-lhe o cigarro da boca (junto com um pedacinho de lábio, se bem me lembro), atirei-o ao chão e pisei-o com a sola do sapato. Tempos depois, Weena disse-me que ficara tão impressionada com a lógica subtil da minha argumentação que deixara de fumar (espero que para sempre.)
Só mais uma coisa a propósito da vigésima nona convenção antes de arrumar na gaveta. O Bob Silverberg nas suas alocuções de abertura, costuma contar vez sim vez sim uma piada que nasceu de um incidente ocorrido durante a vigésima sétima convenção, realizada em 1969 em St. Louis, quando Harlan Ellison, depois de ter feito uma colecta para uma boa causa, descobriu ter arranjado dinheiro a mais, oferecendo então esse excedente a uma conferência de escritores de ficção-científica que adoptara o nome de "Clarion Colledge". Não se pode dizer que não fosse também uma boa causa, mas o Harlan, levado sem dúvida pelo seu coração benevolente, esqueceu-se de cumprir a simples formalidade de perguntar às pessoas que tinham contribuído se poderia dar tal destino ao dinheiro a mais. Verificou-se assim uma discussão pública entre o Harlan e o resto dos participantes da convenção, na qual, como seria de esperar, esses restantes estavam em minoria.
Como tal, no fim do discurso do Bob, tirei uns versos do bolso e, quando chegou a minha altura de ser eu a dizer umas palavras, recitei-os perante a magna audiência, conseguindo a maior gargalhada colectiva da noite. Publiquei recentemente dois livros intitulados "Lecherous Limericks" (Walker, 1975), e "More Lecherous Limericks" (Walker, 1976), cada qual contendo cem quintilhas da minha autoria; a que recitei na convenção, por ser demasiado picante, não foi incluída em nenhum deles. Como não a quero perder para a posteridade, aqui vai ela:

Havia uma despe-despe chamada Marion
Que saltava, dançava e nunca se cansava.
O resultado da sua alegria
Foi um belo filho bastardo
Que ela prontamente doou à Clarion

1972: 30ª Convenção, Los Angeles - (Isaac Asimov a propósito do conto A Rainha do Ar e da Escuridão, de Poul Anderson)

Gostava de lhes falar um pouco do Poul.
Em 1971 publiquei um livro intitulado "Isaac's Asimov Treasury of Humor" (Houghton Mifflin). Gostei tanto deste que desde então tenho vindo a planear um segundo volume, este chamado "Isaac's Asimov Laughs Again". (Desconfio que muitos dos leitores já devem estar a achar suspeitas as contínuas referências a livros meus nestas introduções - para não falar em outras ocasiões -, como meio expedito de auto-promoção. Se me têm em tão pouca consideração, então permitam-me que me explique: é isso mesmo.) Já escrevi uma parte, mas à semelhança de tantos outros livros que planeio, o seu término vê-se permanentemente adiado devido aos meus numerosos compromissos.
Contudo, o Poul sabe que eu ainda estou a trabalhar nele, de modo que está sempre a mandar-me páginas e páginas de anedotas que vai ouvindo aqui e ali - sem qualquer encargo e sem mencionar absolutamente nada a propósito de eu lhe conceder um crédito ilimitado.
Por aqui podem aperceber-se do género de pessoa que o Poul é. 
Naturalmente, não me passa pela cabeça ir contra aquilo que ele pretende. Manda-me anedotas à borla? Okay, não sou eu quem irá estragar este esplêndido gesto oferecendo-me para lhe pagar. Quer que eu lhe dê crédito? Nunca contrariei uma solicitação tão razoável.
Excepto agora. Uma das anedotas que costumo contar com considerável sucesso foi ele quem ma contou em primeira mão. Aqui vai ela (na minha versão, claro):
"Um inglês, um francês e um russo estão a discutir o significado da verdadeira felicidade. 
O inglês diz de sua justiça:
- Meus amigos, permitam-me que vos apresente um exemplo. Imaginem-se montados num cavalo espadaúdo ao amanhecer de um dia límpido do princípio de Outono; galopam à solta pelos campos, saltando sebes e arbustos, com os cães a ladrar à vossa volta, perseguindo uma raposa. Imaginem que voltam para casa com a cauda do animal pendurado na sela, para se sentarem triunfantes em frente a uma lareira descomunal, com um cálice de uísque velho na mão. É esta a verdadeira felicidade.
- Bah! - exclama o francês. - Isso, meu amigo e com o devido respeito, não passa de um puro prazer animalesco. Se me permitem que lhes dê um exemplo, então imaginem-se a jantar num restaurante recatado da margem esquerda, onde as melhores iguarias podem ser acompanhadas com um esplêndido champanhe e na companhia de uma mulher de sonho. Depois do jantar, levam a vossa companheira para o vosso apartamento (ou para o dela) e fazem amor durante a noite inteira. Isso é que é a verdadeira felicidade.
- O russo desata a rir à gargalhada e diz:
- Ah, meu amigo, isso não é mais do que passar uns bons momentos. Ouçam antes o meu exemplo: imaginem que regressam a casa depois de um árduo dia de trabalho na fábrica de tractores e acabam de se sentar na vossa cadeira em melhor estado... a que só tem uma perna partida. Têm o vosso filho mais novo, o Mikhail, nos joelhos e o exemplar do "Pravda" aberto à vossa frente. Nesse momento ouvem bater à porta. Vão abrir e deparam-se-lhes três homens de fatos castanhos de péssimo corte, que entram de rompante, fitam-vos com ar acusador e perguntam: "Ivan Mikhailovich Federov?" - Vocês respondem: "Não, cavalheiros, esse senhor vive dois andares acima." Isso, meus amigos, é que é a verdadeira felicidade."

1972: 30ª Convenção, Boston - (Isaac Asimov a propósito do conto Lua Inconstante, de Larry Niven) 

No Volume Dois, e relacionado com a história do Larry que lá apareceu, "Estrela de Neutrões", mencionei às tantas que ele tinha uma "fácies escorreita, bem escanhoada".
Bom, a não ser que tenha mudado de novo, hoje deve usar barba: uma barba curta e bem cuidada, que deve certamente contribuir para lhe melhorar a aparência. (Digo "deve" porque não sou perito em rostos masculinos. Por norma não costume vê-los. Já me viram entrar numa sala cheia de homens, dirigir-me à única mulher presente e perguntar-lhe: "Então, hoje está aqui sozinha?" - Sei que se trata de uma particularidade, mas vivo resignado com ela e até hoje tenho recusado submeter-me a qualquer tratamento.)
Seja como for, aquilo que mais ficamos a dever à década de sessenta, na minha modesta opinião, é a primeira e séria recrudescência dos pelos faciais dos homens desde o dia em que Gibson, no primeiro decénio do século XX, lançou o estilo dos rostos completamente rapados.
Eu próprio tirei partido da nova moda. Em 1970 deixei crescer o cabelo, descobrindo deliciado o tempo que poupava ao não ir ao barbeiro; por outro lado, fiquei deveras aliviado ao ver que não era preso quando saía à rua.
Hoje, os cabelos caem-me graciosamente sobre os ombros, cheios de ondinhas e caracóis, e a minha maior ambição é vê-los encaracolar-se e ondular ainda mais até ao fundo das minhas costas. Infelizmente, a minha mulher, Janet, não partilha comigo esta ambição. De quando em quando, tenta persuadir-me - sempre na sua maneira meiga e compreensiva - a deixar que me corte o cabelo. Ajoelhando atrás de mim, com a tesoura numa mão e a navalha encostada à minha garganta, começa a cortar, a cortar, a cortar...
Também deixei crescer as patilhas, cada vez maiores e mais farfalhudas, em todas as alturas em que dei com a Janet distraída. Então não é que um dia ela olha  para mim e me diz que gosta delas? As mulheres são assim, misteriosas do princípio ao fim.
A mulher do Larry (que, quando estudava no MIT, tinha a alcunha de "Fuzzy Pink", talvez por causa das camisolas de lã que usava) parece-me indecentemente apaixonada pelo marido, com barba e tudo.
No Volume Dois, acho que também mencionei o facto do Larry gostar de especular sobre a vida sexual do Super-Homem. Já na altura fiquei indeciso - como agora estou - se devia ou não pôr-vos ao corrente dos pormenores tal como descritos por ele; por exemplo, a força hidráulica da...
Não, nunca o conseguiria descrever tão bem como o Larry. Os verdadeiros eretomaníacos são sempre os tipos calmos, que coram com facilidade, permanentemente agarrados ao cachimbo mal-cheiroso.

Índice dos contos:

A Nave das Sombras (Fritz Leiber) - pág. 13

Maus Encontros em Lankhmar (Fritz Leiber) - pág. 71

Escultura Lenta (Theodore Sturgeon) - pág. 141

A Rainha do Ar e da Escuridão (Poul Anderson) - pág. 171

Lua Inconstante (Larry Niven) - pág. 231

Nota: uma série de contos muito fortes, de que gostei imenso.Uma das melhores colectâneas da Colecção Argonauta, na minha opinião.