nº 132 - Revolta em 2100



Autor: Robert A. Heinlein
Título original: Revolt in 2100
1ª Edição: 1953
Publicado na Colecção Argonauta em 1968
Capa: Lima de Freitas
Tradução: Eurico da Fonseca

Súmula - foi apresentada no livro nº131 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

Robert A. Heinlein, um dos mais célebres autores norte-americanos de Ficção-Científica, volta à Colecção Argonauta com um dos seus mais célebres romances.
Revolta em 2100 revela, mais uma vez, a imaginação prodigiosa deste consagrado escritor, e o seu forte e surpreendente poder de efabulação e, ao mesmo tempo, a agilidade com que estrutura fortemente as suas narrativas, conferindo-lhes todos os pormenores indispensáveis à sua concatenação interna. É devido ao concurso destas qualidades que Robert A. Heinlein consegue impregnar os seus romances daquela atmosfera que invade o leitor e o persuade de que se encontra perante os factos como uma espécie de testemunha presencial.
Em Revolta em 2100, Robert A. Heinlein conduz-nos a um mundo futuro e tumultuoso, em cujas coordenadas sopra a violência e impera a força da reinvindicação e de contestação. Narrativa impressionante, desenvolvida a um ritmo de alucinação que não exclui o comedimento, Revolta em 2100 introduz-nos no âmago de um conflito em que as paixões tumultuam e os ventos sopram com incontida energia.
Altamente aclamado pela crítica e pelo público dos muitos países em que se encontra editado, Revolta em 2100 não tardou a tornar-se um best-seller, sucesso que vai certamente repetir-se em Portugal, onde o seu autor conta numeroso grupo de admiradores.   

Introdução:

"Robert A. Heinlein, é provávelmente o melhor narrador no campo da Ficção-Científica", diz Henry Kuttner. E acrescenta: "se me metessem num canto e me obrigassem a dizer porquê, numa só frase, responderia: - Heinlein tem um senso de proporção. - Bem, como se consegue ter um senso de proporção? - Pela experiência, creio eu. E há apenas um tipo de experiência que conta como necessária para um escritor competente: a experiência da humanidade".

Uma das características mais curiosas da obra de Heinlein - e a que mais revela, exactamente, a sua experiência da humanidade, é a tentativa que fez para escrever uma "História do Futuro", dividida em vários volumes, focando em apontamentos de tamanho variável, mas de igual dramatismo, a possível e provável evolução do Mundo e em particular dos Estados Unidos, durante os próximos setecentos anos.
Outro autor, ter-se-ia talvez deixado arrastar pelas descrições utópicas de supercivilizações. Mas Heinlein - como Henry Kuttner também diz - é um humanista romântico. "A sua atitude para com a ciência, é uma atitude racional: nem de idolatria nem de pânico, e isso talvez porque ele sabe alguma coisa das ciências sociais: o elo entre o homem e a máquina."
Assim, a "História do Futuro", longe de ser um simples relato de maravilhas do progresso mecânico, é principalmente, no seu conjunto, uma análise impressionante - esmagadora - dos problemas que esse progresso trará à Humanidade. Mas Heinlein não condena a máquina - nem a defende. Mostra apenas que o Homem tem de ser tanto mais íntegro quanto maior for o poder de que dispõe. Por isso - porque o homem, com o progresso mecânico disporá sempre de maior poder, mas não necessáriamente de uma moral maior e melhor - a "História do Futuro" não é uma epopeia, mas sim uma sucessão de esperanças, de vitórias e de derrotas, de luz e de trevas.
Daquilo a que quase se poderá chamar a clarividência de Heinlein, ao definir a estrutura dessa "História", é boa prova o que, desde a publicação do primeiro volume - "O Homem que Vendeu a Lua" (nº111) -, em 1950, ele previa para a década de 60 - os "anos loucos", em seu entender:
Consideráveis avanços técnicos durante este período, acompanhados por uma gradual deterioração dos costumes, da orientação e das instituições sociais, terminando em psicoses colectivas...
Mesmo nos pormenores técnicos, a precisão é impressionante. Heinlein previa os foguetes e mísseis intercontinentais, como começo de uma "Falsa Alvorada" que terminaria com a primeira viagem à Lua. Então, depois de uma tremenda crise financeira no fim da década de 60, começaria a reconstrução, que coincidaria com o "Período de Exploração Imperial", isto é: com a conquista e colonização do sistema solar, entre 1970 e 2020. Esse período, terminaria com a rebelião e a independência das colónias extraterrestres - um tema que Heinlein planeara tratar nas novelas "Eclipse" e "Logic of Empire", e que desenvolveu em muito maior profundidade, se bem que não em amplitude, numa sua obra mais recente: "Revolta na Lua" (nºs 119 e 120).
A subsequente interrupção das viagens interplanetárias (entre 2020 e 2072), conduziria a uma reacção que, nos Estados Unidos, se traduziria pelo ressurgimento do fanatismo religioso, terminando pelo estabelecimento de uma teocracia. Seria esse o tema de outra "novela nunca escrita", The Sound of His Wings, em que Heinlein contaria a história de um "evangelista da televisão", o Reverendo Nehemiah Scudder, o "Primeiro Profeta", Presidente dos Estados Unidos, destruidor da sua Constituição e fundador da Teocracia.
Não foi a procura da originalidade que conduziu Heinlein a tal hipótese. É ele próprio que explica:
... a ideia de que nós (americanos) podemos perder a nossa liberdade sucumbindo a uma vaga de histeria religiosa... lamento dizer que ela é possível. Tenho esperança de que não seja provável. Mas há uma tensão latente e profunda de fanatismo religioso na nossa cultura; está enraízada na nossa história e tem explodido muitas vezes no passado. Está agora connosco; tem havido um desenvolvimento vertical de seitas fortemente evangelistas neste país, nos últimos anos, algumas das quais reflectem crenças teocráticas em extremo, anti-intelectuais e anti-científicas...
A verdade é que todas estas seitas, cultos e religiões, transformam os seus credos em leis se adquirem o poder político para o fazerem... a transformação das crenças religiosas em leis tem tido sucesse esporádico neste país - as leis de fechar as portas ao domingo... a experiência da Lei Seca, os enclaves temporários da teocracia, como o Zion de Volliva, o Nauvoo de Smith e alguns outros. O país está dividido numa tal variedade de fés e seitas que agora existe um certo grau de compromisso; as minorias constituem uma maioria ao oporem-se umas às outras.
Poderá acontecer outra coisa? Poderá qualquer seita obter uma maioria definida nas eleições e apoderar-se do país? Talvez não - mas a combinação de um evangelista dinâmico, da televisão, de dinheiro suficiente e das modernas técnicas de publicidade e propaganda... Misturem isso, em boa medida, com uma depressão económica, prometam-lhe um céu material aqui na Terra, acrescentem-lhe uma pitada de anti-semitismo, de anti-catolicismo, de anti-negroísmo e uma dose bastante grande de anti-estrangeiros em geral e dos anti-intelectuais em particular e o resultado pode ser qualquer coisa assustadora - em particular quando nos recordamos que o sistema de voto nos Estados Unidos permite que uma minoria distribuída por diferentes estados possa constituir uma maioria actuante em Washington.
Imaginei Nehemiah Scudder como um evangelista sertanejo que combinaria algumas características de John Calvin, Savonarola, do juíz Rutherford e do governador Huey Long. A sua influência tornara-se nacional depois da morte de Mrs. Rachel Biggs, uma das primeiras convertidas, que teria a única virtude de ser viúva de um homem extremamente rico que não compartilhava de modo algum a sua miopia religiosa - ela deixara ao Irmão Scudder alguns milhões de dólares para montar uma estação de televisão. Pouco depois, Scudder juntara-se a um ex-senador do seu estado natal; os dois teriam colocado os seus assuntos nas mãos de uma importante empresa de relações públicas e veriam abrir-se na sua frente o caminho da fama e da fortuna. Por fim, necessitariam de tropas de assalto: consegui-las-iam fazendo ressuscitar a Ku Klux Klan em tudo menos no nome: lençóis, palavras de passe, apertos de mão e tudo... Fora "uma boa artimanha" e continuava a servir. Sangue nas assembleias de voto e nas ruas. Mas Scudder venceria as eleições. As últimas eleições.
Impossível? Recordem-se do Klu Klux Klan nos anos vinte - e até onde ele chegou sem ter sequer um chefe dinâmico... A capacidade de espírito humano para engolir disparates e vomitá-los depois sob a forma de uma acção violenta e repressiva nunca foi sequer sondada.
Não, provávelmente nunca escreverei a história de Nehemiah Scudder: desgosta-me demasiado, de princípio ao fim. Mas espero que me acompanhem na ideia de que ele pode vir a existir... (Recorde-se de que se esboçou nos Estados Unidos um movimento para a candidatura de evangelista Billy Graham às eleições presidenciais de 1968). 

Se Heinlein se recusou a escrever a história de Nehemiah Scudder, já o mesmo não aconteceu com a do desenvolvimento, decadência e ocaso da teocracia nos Estados Unidos. Seria um período caracterizado por:
Reduzida investigação e sómente progressos técnicos sem importância. Extremo puritanismo. Desenvolvimento pela classe sacerdotal, de certos aspectos da psicodinâmica e da psicometria, da psicologia colectiva e do governo social.
Até à Revolta, em 2100. 

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