nº 278 - A Revolta das Máquinas 1



Autor: Clifford D. Simak
Título original: Skirmish
1ª Edição: 1977
Publicado na Colecção Argonauta em 1980
Capa: A. Pedro
Tradução: Eurico da Fonseca 

Súmula - Foi apresentada no livro nº277 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":  (A súmula transcreve três dos parágrafos do prefácio do autor, que é também colocado na íntegra, com a parte do texto que já foi transcrita na súmula a cor laranja). 

Com este título de publica uma das últimas obras de Clifford D. Simak e talvez a de mais alto expoente: SKIRMISH.
Tratas-se de uma colectânea de novelas, que confirmam a prolífera imaginação do autor, elaborada quando a Associação dos Escritores de Ficção-Científica lhe concedeu o mais alto prémio literário da especialidade: "Grand Master Nebula Award", em reconhecimento da sua excepcional contribuição para a FC, durante 50 anos de actividade criativa.
Clifford D. Simak manifesta-se contrário à exploração de temas de uma invasão da Terra perpetrada por seres provenientes de outros planetas e de guerras entre potências espaciais, declarando:
A minha relutância contra o uso da invasão alienígena é devida à impressão de que não é provável que sejamos invadidos e dominados. Parece-me que quando uma espécie alcança a possibilidade de viajar pelo espaço profundo, deve já ter amadurecido a um ponto em que não pensará em dominar outras espécies inteligentes. Além disso, não haveria necessidade económica de o fazer. Quem puder penetrar nos confins do espaço, deve ter conseguido uma fonte de energia que não será baseada nos recursos planetários naturais. Por essa altura, deve também ter chegado a uma gestão populacional, de modo que a expansão do espaço vital não será um motivo para o domínio dos outros planetas. Pelo mesmo raciocínio, não precisará da força muscular das populações planetárias escravizadas, pois terá desenvolvido máquinas que poderão realizar todo o trabalho necessário. Por causa desta minha maneira de pensar, parece-me que a ideia da invasão alienígena é irrealista. 
No entanto, tenho usado repetidas vezes a ideia do primeiro contacto entre o humano e o alienígena. Para mim, isso pareceu-me sempre uma perspectiva excitante. Tenho perguntado muitas vezes a mim próprio o que faria se um disco voador, vindo do espaço, pousasse no meu quintal, e dele saíssem os tripulantes. Creio que iria ao encontro deles, tomando muito cuidado em não fazer qualquer movimento que parecesse hostil, razoavelmente convencido em que duas espécies inteligentes encontrariam um plano comum de aceitação. 
Outra ideia que nunca usei, se bem me lembro, é a guerra no espaço, pois ela parece-me ainda menos realista que a invasão alienígena. Tão pouco me aventurei na chamada história do império, em que os ducados planetários e as intrigas imperiais florescem. Pareceu-me sempre que isso não é mais do que a transferência da novela de costumes para o futuro e não gosto de tal coisa.
O que me preocupa são as pessoas, é o impacto feito sobre as suas vidas por situações ou encontros extraordinários. Os meus heróis fisicamente corajosos têm sido poucos. A coragem, quando aparece, é mais provavelmente uma coragem intelectual. No entanto, e de uma maneira geral, os meus personagens são gente muito vulgar, tendo na sua natureza as mesmas fraquezas e forças que se encontram na maior parte de nós. 

Numa autocrítica, o autor conclui:

Devo confessar-me culpado pelo uso excessivo de autómatos, não tanto como autómatos mas como substitutos dos humanos. Jenkins, nas minhas histórias de "City" é uma extensão da espécie humana, e mais do que isso, das mais admiráveis caracteristicas da espécie, do tipo de criatura que um homem deve ser mas poucas vezes é. O mesmo se pode dizer de Richard Daniel, o autómato que é a personagem principal de "All the Traps of Earth"., incluída nesta colecção.
Agora é a parte mais dura: que foi que fiz ou tentei fazer? Penso que esta pergunta é algo frustrante e embaraçosa de responder. Poderia fazer muito melhor se estivesse a escrever do trabalho de outrem. Não posso confiar no que julgo de mim próprio.
Parece-me que, de um modo geral, tenho escrito de uma maneira calma - parece-me que há pouca violência nos meus trabalhos. Tenho focado as pessoas, e não os acontecimentos. A maior parte das vezes não me tenho mostrado muito optimista. Estou muito mais preocupado com o coração e o espírito humanos do que em qualquer feito humano. Por vezes tenho tentado defender a decência e a compaixão, a compreensão, não apenas no sentido humano, mas no sentido cósmico. Tenho tentado por vezes colocar os homens em perspectiva contra a vastidão do tempo e do espaço universal. Tenho estado preocupado com o destino que, como espécie, podemos vir a ter, e qual será o nosso objectivo no contexto universal - se é que temos um objectivo. De uma maneira geral, supomos que temos, e talvez um que seja importante.

Prefácio do autor: 

Escrever as histórias reunidas neste livro foi um exercício simples. Agora começa a parte difícil. Tentar escrever sobre o nosso próprio trabalho, fazer algo que se aproxime de uma honesta avaliação dele, é extremamente difícil. Nenhum escritor é um crítico competente daquilo que escreve. Mantém-se demasiado próximo do que escreveu, não pode voltar atrás os três passos indispensáveis para lhe dar a perspectiva adequada. Pode ver muitas subtilezas que na sua ideia estão lá, mas que mais ninguém detecta. Do mesmo modo, pode ser incapaz de ver algumas facetas que são óbvias a qualquer outra pessoa. 
Se eu tentasse dizer que espécie de escritor tenho sido, seria mais simples tratar disso fazendo uma lista dos elementos de feitura de histórias que não usei de maneira extensiva - se é que as usei -, nas minhas obras.
Não usei em extensão significativa o tema usual da invasão alienígena. "Skirmish" (A Revolta das Máquinas), uma das primeiras obras incluidas nesta colecção, é uma das poucas em que recorri a essa ideia. no entanto, o tema foge um pouco ao caminho usualmente batido por tais histórias. Consolo-me ao acreditar que posso vir a ser o pioneiro de outro tema lenta e cautelosamente utilizado através dos anos - a confrontação entre as máquinas e os homens.
A minha relutância contra o uso da invasão alienígena é devida à impressão de que não é provável que sejamos invadidos e dominados. Parece-me que quando uma espécie alcança a possibilidade de viajar pelo espaço profundo, deve já ter amadurecido a um ponto em que não pensará em dominar outras espécies inteligentes. Além disso, não haveria necessidade económica de o fazer. Quem puder penetrar nos confins do espaço, deve ter conseguido uma fonte de energia que não será baseada nos recursos planetários naturais. Por essa altura, deve também ter chegado a uma gestão populacional, de modo que a expansão do espaço vital não será um motivo para o domínio dos outros planetas. Pelo mesmo raciocínio, não precisará da força muscular das populações planetárias escravizadas, pois terá desenvolvido máquinas que poderão realizar todo o trabalho necessário. Por causa desta minha maneira de pensar, parece-me que a ideia da invasão alienígena é irrealista. 
No entanto, tenho usado repetidas vezes a ideia do primeiro contacto entre o humano e o alienígena. Para mim, isso pareceu-me sempre uma perspectiva excitante. Tenho perguntado muitas vezes a mim próprio o que faria se um disco voador, vindo do espaço, pousasse no meu quintal, e dele saíssem os tripulantes. Creio que iria ao encontro deles, tomando muito cuidado em não fazer qualquer movimento que parecesse hostil, razoavelmente convencido em que duas espécies inteligentes encontrariam um plano comum de aceitação. 
Outra ideia que nunca usei, se bem me lembro, é a guerra no espaço, pois ela parece-me ainda menos realista que a invasão alienígena. Tão pouco me aventurei na chamada história do império, em que os ducados planetários e as intrigas imperiais florescem. Pareceu-me sempre que isso não é mais do que a transferência da novela de costumes para o futuro e não gosto de tal coisa.
O que me preocupa são as pessoas, é o impacto feito sobre as suas vidas por situações ou encontros extraordinários. Os meus heróis fisicamente corajosos têm sido poucos. A coragem, quando aparece, é mais provavelmente uma coragem intelectual. No entanto, e de uma maneira geral, os meus personagens são gente muito vulgar, tendo na sua natureza as mesmas fraquezas e forças que se encontram na maior parte de nós. 
 Lembro-me de um editor que, embora publicasse a história, protestou contra uma das minhas novela.
- Cliff, os personagens desta história são vencidos - disse-me ele. - Gosto de vencidos - respondi-lhe, e é verdade. Gosto deles porque são muito mais interessantes que os vencedores. Como a maior parte das pessoas tenho horror aos homens que ganham sempre; fazem parecer os outros muito maus.  
Na minha novela "The Enchanted Pilgrimage" (Os Herdeiros das Estrelas, nº 262 da Colecção Argonauta), a única fantasia absoluta que publiquei sob a forma de livro, dei comigo a fugir à prática usual de usar um espadachim férreo e invencível como protagonista. Usei como protagonista um estudioso de costumes brandos e algo desajeitado. Para o compensar, dei-lhe uma espada mágica. Mesmo assim, era pouco hábil no seu manejo. Para mim, o pobre e desajeitado estudioso, que tinha dificuldade em tirar a espada da bainha e em a meter lá, era muito mais digno de crença e simpatia, e assim era muito mais fácil escrever sobre ele do que o teria sido sobre o espadachim de série, de punhos duros com o qual eu teria tido ligeira empatia. 
A minha escrita tem sido muito colorida pelo Sudoeste do Wisconsin, uma terra de montanhas agrestes e profundas ravinas, onde passei a minha juventude. Muitas das minhas histórias foram situadas nesse local, muitos dos tipos de pessoas que conheci ali foram usados como personagens. Sinto-me por vezes um pouco presunçoso, por fazer um uso tão excessivo da terra que conheci na juventude, mas para compensar digo que a mim próprio que pelo menos estou em terreno familiar. E muito cedo, nos meus esforços de escritor, aprendi que essas cenas pastorais fornecem um contraste altamente eficaz perante as criaturas alienígenas e os acontecimentos nada terrenos que eu coloco em tal ambiente.
Devo confessar-me culpado pelo uso excessivo de autómatos, não tanto como autómatos mas como substitutos dos humanos. Jenkins, nas minhas histórias de "City" é uma extensão da espécie humana, e mais do que isso, das mais admiráveis caracteristicas da espécie, do tipo de criatura que um homem deve ser mas poucas vezes é. O mesmo se pode dizer de Richard Daniel, o autómato que é a personagem principal de "All the Traps of Earth"., incluída nesta colecção.
Agora é a parte mais dura: que foi que fiz ou tentei fazer? Penso que esta pergunta é algo frustrante e embaraçosa de responder. Poderia fazer muito melhor se estivesse a escrever do trabalho de outrem. Não posso confiar no que julgo de mim próprio.
Parece-me que, de um modo geral, tenho escrito de uma maneira calma - parece-me que há pouca violência nos meus trabalhos. Tenho focado as pessoas, e não os acontecimentos. A maior parte das vezes não me tenho mostrado muito optimista. Estou muito mais preocupado com o coração e o espírito humanos do que em qualquer feito humano. Por vezes tenho tentado defender a decência e a compaixão, a compreensão, não apenas no sentido humano, mas no sentido cósmico. Tenho tentado por vezes colocar os homens em perspectiva contra a vastidão do tempo e do espaço universal. Tenho estado preocupado com o destino que, como espécie, podemos vir a ter, e qual será o nosso objectivo no contexto universal - se é que temos um objectivo. De uma maneira geral, supomos que temos, e talvez um que seja importante.
Isto, portanto segundo a minha própria avaliação, deve ser a minha pequena contribuição para a ficção-científica. É, de resto, apenas uma pequeníssima fracção do todo. Os meus colegas escritores têm feito contribuições muito maiores e mais significativas.
A colecção parece razoavelmente representativa do meu trabalho, mostrando em certo grau a progressão da minha capacidade de escritor e do meu pensamento. Há muitas outras histórias que eu gostaria de ver incluídas, mas a simples economia da publicação do livro torna isso impossível. Agradeço que o editor não tenha feito pressão sobre mim para incluir, também, alguns dos exemplos verdadeiramente horrorosos da minha escrita dos primeiros tempos, histórias que escrevi enquanto estava a aprender a arte.
"Deserção" e "Refúgio" vieram da minha série "City". No meu espírito, vejo essa série como a barreira entre a minha escrita de aprendiz e a minha aparição como artista. Desse tempo em diante, na maior parte dos casos, senti-me a dominar os meus esforços como escritor, em vez de andar às voltas, tentando descobrir-me como escritor. Ainda tinha muito a aprender (e suspeito que ainda tenho) mas por agora tenho uma certa ideia da direcção que quero seguir e alguma ideia de como a seguir.
"Skirmish" (A Revolta das Máquinas) tem um jornalista como protagonista. Houve tempos em que, sendo eu um jornalista, tendia a usar os jornalistas como personagens. Ao fazer isto, evidentemente ainda estava a procurar encontrar o meu devido papel como escritor, tentando facilitar as coisas ao usar personagens centrais com as quais eu podia sentir alguma familiaridade. Continuo a usar de vez em quando jornalistas como personagens, mas não frequentemente nem pela mesma razão.
"The Big Front Yard"  (Um Pátio Enorme) é a história do primeiro contacto com uma espécie alienígena, talvez o melhor exemplo desse tipo de história que escrevi. Colocado sob o pano de fundo de uma pequena vila e da sua gente, utiliza o contraste pastoral de que falei no princípio.
"All The Traps of Earth" (Todas as Armadilhas da Terra) tem por tema a luta de um autómato (uma extensão da humanidade, portanto) pela busca do verdadeiro objectivo da sua existência. "Good Night, Mr. James" (Boa Noite, Mr. James) é uma história viciosa - tão viciosa que foi a única das minhas histórias adaptadas à TV. É tão diferente de tudo quanto escrevi que por vezes pergunto a mim próprio como cheguei a fazê-la. Não que esteja arrependido de a escrever. Ainda bem que o fiz, mas continuo a perguntar a mim próprio como o fiz.
As últimas quatro histórias são aquelas que realmente adoro, se um homem pode adorar o seu próprio trabalho. No tempo, "The Sitters" (Os Vigilantes) precede as outras três. Segundo creio, é a história mais terna que escrevi - e não me sinto envergonhado por confessar a sua ternura. Tem aquela qualidade de compaixão e de carência humana que tenho tentado muitas vezes focar, mas que nunca me saíu tão bem como neste caso.
"The Thing in the Stone" (A Coisa na Pedra) é outra história de contacto com alienígenas, colocada no meio dos montes do Wisconsin que eu conheci quando garoto.
 "The Ghost of a Model T" (O Fantasma do Ford T) é fantasia, pura saudade dos princípios dos anos 20, baseada nas minhas próprias recordações desses tempos fabulosos. Creio que o que eu disse nessa história está mais perto do espírito desse tempo que todos os livros que a ele têm sido devotados.
"The Autumn Land" (A Terra do Outono) é outras das poucas histórias que escrevi por encomenda. Em 1971, quando fui convidado de honra da 28ª Convenção Mundial de Ficção Científica, em Boston, Edward Ferman pediu-me para escrever uma história para a Fantasy and Science Fiction Magazine, a fim de ser publicada no número especial referente à Convenção. Em geral, uma história escrita por encomenda não é boa. O autor tem demasiada consciência da pressão do tempo e das necessidades particulares da revista para fazer um trabalho decente. No entanto, segundo creio, este resultou bem. A atmosfera da história é adequada ao tema, uma coisa que por vezes é difícil conseguir. Nenhum escritor está de resto, alguma vez inteiramente satisfeito com o que escreve. Vê falhas por toda a parte e muitas vezes deseja ter escrito tudo de uma maneira muito diferente. Mas isso, no meu caso, é menos verdadeiro quanto a "The Autumn Land" do que quanto a qualquer outra história que tenha escrito.
Isso é o bastante. Talvez mais do que o bastante. Pergunto a mim próprio, quando escrevi isto, se era necessário um prefácio. Suspeito que poucas são as pessoas que lêem os prefácios ou as introduções. Se na verdade leu isto, agora tem coisas mais importantes para ler: as histórias. Espero que goste um pouco delas. Se o gostar, o trabalho que tive a escrevê-las estará justificado.

Nota: este volume e o seguinte, constituem uma magnífica colectânea de alguns dos melhores contos de Clifford D. Simak, a quem deixo aqui a minha sentida homenagem e o meu sincero agradecimento por leituras fantásticas que me acompanharam durante muitos anos.

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