nº 342 - A Arma Impossível



Autor: Philip K.Dick
Título original: The Zap Gun
1ª Edição: 1965
Publicado na Colecção Argonauta em 1985
Capa: A. Pedro
Tradução: Eurico da Fonseca

Súmula - Foi apresentada no livro nº341 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

Philip K. Dick é um dos autores preferidos dos leitores da Colecção Argonauta, pela profundidade das suas obras que atinge o mistério, o simbolismo. Mas Philip K.Dick foi também um humorista de primeira classe, à sua maneira, com um humor que constitui uma crítica inteligente e pertinente a muitos dos aspectos da nossa sociedade. Um exemplo dessa faceta menos conhecida de Dick, mas não menos importante, é The Zap Gun, uma história que decorre num futuro relativamente próximo - no ano 2004 - e que tem por base a corrida aos armamentos. Proibidas as armas atómicas, acordado o banimento de muitas armas convencionais, nem por isso a corrida aos armamentos pára - os fabricantes, os militares, os políticos, não estão dispostos a deter-se. A corrida já não se faz no sentido de procurar armas cada vez mais poderosas, mas sim cada vez mais inesperadas - armas diferentes. É a imaginação que conta (e quem pode ser mais imaginativo do que Philip K.Dick?). Daí, a formação de verdadeiros ciclos, como os da moda - o o advento das modas de armamentos, com os seus grandes desenhadores, semelhantes aos grandes costureiros.
Fantasia a mais? Não tanto como isso - a moda, nos armamentos, já existe, só que nem todos dão por isso... Mas Philip K.Dick foi mais além: os desenhadores de modas de armamentos, ou designers, se assim se preferir, apresentam ideias que lhes surgem em transe. Essas ideias, serão deles? 
Eis como se inicia The Zap Gun  - A Arma Impossível, na versão portuguesa:

- Mr. Lars, senhor. Receio que tenha só um momento para falar aos seus expectadores. Desculpe. - começou ele a dizer, mas o entrevistador autonómico da TV, de câmara na mão, cortou-lhe as palavras. O sorriso de metal da criatura luzia confiante.
-  Sente um transe a aproximar-se, senhor? - inquiriu, esperançado, o entrevistador autonómico, como se isso pudesse acontecer, perante uma das lentes alternadas "multifax" da câmara portátil.
Lars Pólvora Seca suspirou. De onde se encontrava, na pista dos peões, podia ver o seu gabinete em Nova Iorque. Vê-lo, mas não alcançá-lo. Demasiadas pessoas - os tansos! - estavam interessadas nele, e não no seu trabalho. E o trabalho, de resto, era o que interessava. 
Fatigado, disse.
- O factor tempo. Não compreendem? Num mundo de modas de armamento...
- Sim, sabemos que está a receber algo de espectacular - interpôs o entrevistador autonómico, pegando no fio da conversa, sem mesmo dar atenção ao significado que Lars lhe dera. - Quatro transes em uma semana! E está quase tudo pronto! Correcto, Mr. Lars?
A maquineta autonómica era idiota. Pacientemente, Lars tentou levá-la a compreender as coisas. Não se importava de dirigir-se à multidão de tansos, na maior parte senhoras, que viam o show do princípio da manhã - "Lucky Bergman Saúda-vos" - ou o que quer que lhe chamavam. Deus sabia que "ele" não sabia. Não tinha tempo, no seu dia de trabalho, para diversões estúpidas como aquela.
- Olhe - acrescentou, desta vez suavemente, como se o entrevistador autonómico estivesse realmente vivo e não fosse uma criatura consciente, arbitrariamente dotada, produzida pela engenhosidade da tecnologia do Desbloco do ano 2004. Engenhosidade perdida naquela direcção, pensou Lars... ainda que talvez não fosse uma abominação tão grande, como a do seu próprio campo. Uma reflexão desagradável.
Expulsou isso do seu espírito e observou: - Nas modas de armamento, uma novidade deve surgir num determinado momento. Amanhã, na próxima semana ou no mês seguinte, é demasiado tarde.
- Diga-nos o que é - insistiu o entrevistador, e ficou à espera, como avidez de isco, da resposta desejada. Como podia alguém, inclusive Mr. Lars, de Nova Iorque e Paris, despontar todos os milhões de espectadores através do Desbloco, numa dúzia de países? Abandoná-los, seria servir os interesses do Epieste - era, pelo menos, o que entrevistador autonómico desejava dar a entender. Mas estava a falhar. 
Lars respondeu:
- Francamente, não é nada que vos diga respeito. - E avançou, para lá do pequeno grupo de peões que se tinham reunido para ficar de boca aberta: afastou-se da luminosidade quente da exposição mediática imediata, perante a observação pública, direito à pista de subida de "Mr. Lars, Incorporated", o edifício de um só andar, colocado, como por intenção, entre os altos prédios de escritórios cujo tamanho, só por si, indicava a natureza essencial da sua função.
O tamanho físico, reflectiu Lars, quando alcançou o átrio exterior, público, de "Mr. Lars, Incorporated", era um critério falso. Nem mesmo o entrevistador autonómico estava a ser iludido por isso; era Lars Pólvora Seca que ele desejava expor à sua assistência, e não as entidades industriais que tinha facilmente ao seu alcance. No entanto, muitas das entidades teriam ficado deliciadas ao verem os seus peritos em "aq-prop" - aquisição-propaganda - trovejando aos ouvidos atentos dos espectadores.
As portas de "Mr. Lars, Incorporated" fecharam-se, sintonizadas, como estavam, ao seu padrão cefálico. Ele separou-se, assim, da multidão de boca aberta cuja atenção fora estimulada por profissionais. Por si próprios, os tansos teriam sido razoáveis quanto àquilo, isto é, teriam sido apáticos.
- Mr. Lars.
- Sim, Miss Bedouin. - Lars parou. 
- Bem sei. O departamento de desenho pensa que o esboço 285 não tem pés nem cabeça. - A isso estava ele resignado...

Introdução

Quando nos videojogos - sejam de computador, sejam os das máquinas de arcada - os alienígenas surgem de todos os lados para serem abatidos um a um, a arma que os destrói de uma maneira quase mágica é algo mais do que um simples laser, é algo que excede até a imaginação dos criadores da "Guerra das Estrelas", nos filmes e na realidade. É uma arma impossivelmente destruidora, uma arma que num simples e rápido movimento - zap - tudo elimina. The Zap Gun é uma das obras mais controversas de Phillip K.Dick. Uma obra que se passa num tempo futuro muito diferente dos que são de norma na ficção-científica - um futuro em que o mundo continua dividido em dois blocos... na aparência. Porque depois da assinatura dos Protocolos que evitaram o holocausto nuclear, os governantes acordaram numa farsa que lhes permite manter a sua autoridade, o seu prestígio, e as principais estruturas. Em vez de falarem de paz, falam de guerra, como nunca. O Leste, para que os seus espiões continuassem a ser temidos, tomou a designação de Espieste - mas é uma organização privada, a KACH, que assegura a troca de informações com o Oesbloco, dirigido a partir de uma imensa fortaleza subterrânea - a Festung, que em Washington substituíu o velho Pentágono. Uns e outros - Espieste e Oesbloco - dispõem de "especialistas de modas de armas" que - caindo em transe - apresentam esboços de coisas estranhas, que se dizem ser mortíferas, cada vez mais mortíferas, e que são também cada vez mais loucas, mas susceptíveis de serem "semeadas" - disfarçadas como coisas vulgares, seguindo a norma dos Protocolos, de tornar os canhões em arados. Os homens comuns, os "papalvos", sentem-se muito felizes por isso, supõem-se defendidos como nunca, e orgulham-se de, através dos seus representantes - os concomandos -, tomarem parte no comando das operações de "sementeira de armas", sugerindo disfarces para elas. Mas os membros da classe dominante, os entendidos - os entes -, sabem que tudo isso é uma farsa. Até que...

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