nº 536 - Fumos de Sonho 2



Autor: Tricia Sullivan
Título original: Dreaming in Smoke
1ª Edição: 1998
Publicado na Colecção Argonauta em Junho de 2002
Capa: António Pedro
Tradução: Alexandra Rolão Tavares
Revisão: Dália Moniz 

Súmula - foi apresentada no livro nº535 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

O barco de Neko cortou as águas. Como uma faca a cortar uma pele brilhante. Era ainda de manhã, e Kalypso tinha podido dormir até acordar por si. Encontrava-se quase direita, embora não totalmente desperta, mas também não estava adormecida. Tinham viajado durante toda a noite, levadas por uma corrente acidental paralela à Fenda. Mais à frente, era possível verem-se outros barcos, cada um deles iluminado com se estivesse em chamas. As nuvens eram mais negras do que nunca, e o sol que se encontrava algures atrás delas era uma semente obscura e perdida soprada pelos céus. Dava apenas a luz suficiente para que Kalypso conseguisse descortinar o perfil de Neko. 
- Está frio, aqui - disse Neko - Podes tirar o teu fato. Se quiseres.
Kalypso estava farta de usar o fato e foi o que fez, ficando apenas com o capacete e o equipamento respiratório. Estava de facto bastante calor, pelos padrões de Kalypso, e ela em breve se encontrou a transpirar fortemente, mas o vento estava seco e Kalypso não se importou com isso. Os flocos de cinzas cinzentos alojaram-se nos seus poros.
- Aquele barco que vai à frente é um barco funerário - disse-lhe Neko, e por um segundo, Kalypso teve a impressão de estar a inalar as cinzas dos mortos em vez do tufo vulcânico. Havia um recinto cilíndrico, obviamente feito de "luma", que se erguia no convés. Era do cimo daquela estrutura que o fogo provinha, brilhante e sem fumo.
- Não compreendo como é que podem manter um barco para os mortos. Parece-me algo sentimental. - assinalou Kalypso.
Neko sorriu.
- Espera e vê.
O barco funerário foi o primeiro a chegar. O seu piloto fixou-o ao barco de Neko, puxando-o, e falou com Neko num dialecto de Sinais que Kalypso não compreendeu; em seguida, Neko fez sinal a Kalypso:
- Esta é Teres. É ela quem irá realizar as negociações com as tuas Mães.
- Negociações?
Teres exibiu um sorriso amplo. Ultrapassou o hiato entre os barcos e esfregou a mão ao longo da clavícula e do braço de Kalypso com uma familiaridade que fez com que esta se arrepiasse.
- Não é gorda - assinalou ela amplamente. - Mas também não é ressequida. Estou satisfeita. 
- Negociações sobre o quê? - exigiu saber Kalypso.
Teres sorriu novamente, mantendo um ar de felicidade, Fez alguns sinais a Neko que Kalypso não conseguiu captar. 
- Depressa - indicou Neko, erguendo um revestimento de fluido. Kalypso reconheceu-o como sendo o produto seleccionado do "luma" domesticado de Neko. - Tenho aqui o catalisador. Vamos alimentá-la. 
Kalypso receou por instantes que a fizessem ingerir aquilo, mas apesar das palavras de Neko, a outra ignorou-a. As duas Mortas dirigiram-se para a proa do barco funerário, onde o "luma" domesticado formava um cilindro amplo da altura de Neko, que parecia uma chaminé. O "fogo" era na realidade uma porção de fosforescência fumegante que se encontrava no segmento superior da chaminé, da qual emergiam camadas de gás cintilante que se erguia e desaparecia na atmosfera. Havia capilares sintéticos entranhados nas partes laterais do "luma", um emaranhado deles estendia-se ao longo do casco e perdia-se no meio do equipamento de Teres. E havia uma única que fluía para um frasco alto, que estava quase repleto pela metade com uma substância cuja cor se alterava lenta mas constantemente através de uma sequência de tons ricos e fosforescentes.
Neko viu-a a olhar fixamente e comentou:
- Aquele é o fluido precioso. 

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