nº 120 - Revolta na Lua 2


Autor: Robert A. Heinlein
Título original: The Moon is a Harsh Mistress
1ª Edição: 1966
Publicado na Colecção Argonauta em 1967
Capa: Lima de Freitas
Tradução: Eurico da Fonseca

Súmula - foi apresentada no livro nº119 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

Neste volume continuamos a publicar o sensacional romance de Robert A. Heinlein, que prossegue a sua narrativa pelas páginas que a seguir inserimos.

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Uma onda patriotismo varreu a nossa nação e unificou-a.
Não é o que dizem os livros de História? Francamente!
Maldito seja eu, mas organizar uma revolução não é uma coisa tão complicada como vencê-la. A vitória surgiu-nos demasiado depressa, antes que tivéssemos ocasião de preparar fosse o que fosse e quando ainda tinhamos mil e uma coisas a fazer. A Administração desaparecera n- na Lua - , mas a Administração Lunar na Terra e as Nações Federadas continuavam de perfeita saúde. Se tivessem enviado um transporte de tropas e posto em órbita um cruzador, em qualquer momento das duas semanas seguintes teriam reconquistado a Lua, sem dificuldades. Éramos apenas uma multidão desordenada.
A nova catapulta fora ensaiada, mas podíamos contar pelos dedos de uma só mão - da minha mão esquerda - o número de mísseis, de rocha enlatada, prontos a lançar. E a catapulta não era uma arma que pudesse ser usada contra naves ou tropas. Sabíamos como combatê-las fora das naves - ou melhor: tinhamos apenas noções disso. Dispúnhamos de algumas centenas de espingardas laser - baratas -, armazenadas em Hong-Kong-na-Lua, mas poucos eram os homens treinados para as usarem.
Além de tudo isso, a Administração tinha funções úteis. Comprava o gelo e o trigo, vendia o ar, a água e a energia, era proprietária de uma dúzia de pontos vitais, ou dominava-os. O que quer que se fizesse no futuro, importava que as engrenagens continuassem a funcionar. Talvez tivesse sido precipitada  a decisão de destruir as instalações da Administração, nas cidades (eu, pelo menos, pensava isso), porque os regists tinham-se perdido. Entretanto, o Professor afirmava que os Lunáticos, todos os Lunáticos, necessitavam de um símbolo que pudessem odiar e destruir, e que aquelas instalações eram muito públicas e pouco valiosas
Mas o Mike dominava as comunicações e isso significava o domínio de quase tudo. O Professor começava por fiscalizar a transmissão de notícias entre a Terra e a Lua e vice-versa, deixando a censura e a falsificação de informações a cargo do Mike, até que soubéssemos o que dizer lá para baixo, e adicionámos a subfase "M", que desligava o Conjunto do resto da Luana, e com ele o Observatório Richardson e os laboratórios anexos - o Radiotelescópio Pierce, a Estação Selenofísica, etc, os quais constituíam um problema pois os cientistas Terrenos estavam sempre a chegar e a partir, permanecendo ali seis meses no máximo, graças à centrifugadora. A maior parte dos Terrenos que se encontravam na Lua, salvo alguns turistas - trinta e quatro -, eram cientistas. Era necessário fazer qualquer coisa, quanto a eles, mas, entretanto, bastava evitar que falassem para a Terra. 
Entretanto, as comunicações telefónicas com o Conjunto permaneciam interrompidas e o Mike não permitia que as cápsulas parassem ali, mesmo depois do tráfego ter sido restabelecido, o que aconteceu logo que Finn Nielsen e os seus homens terminaram a tarefa de que haviam sido incumbidos.
Afinal, o Guardião não morrera - nem nós tínhamos pensado em matá-lo; o Professor concluíra que um Guardião vivo poderia morrer quando fosse necessário, mas que um morto não podia voltar à vida quando precisássemos dele. Por isso, havíamos planeado deixá-lo meio-morto - assegurarmo-nos de que ele e os seus guardas não estariam em condições de resistir - e depois procedermos a um assalto fulminante enquanto o Mike voltava a fornecer o oxigénio.
O Mike calculara que, com os ventiladores a funcionar a toda a velocidade, seriam necessários pouco mais de quatro minutos para reduzir o oxigénio ao zero efectivo - cinco minutos de hipóxia crescente, cinco minutos de anóxia e depois forçar a porta estanque inferior enquanto o Mike injectava oxigénio puro para restabelecer o equilíbrio. Assim não mataria ninguém - mas todos ficariam tão inconscientes como se houvessem sido anestesiados. O único perigo para os atacantes era de alguns ou de todos quantos se encontravam lá dentro terem vestido escafandros. Mas mesmo isso era improvável: a hipóxia é traiçoeira, pode-se desmaiar sem dar conta de que há falta de oxigénio. É a asneira fatal favorita dos novatos. 
De facto o Guardião sobreviveu, assim como três das suas mulheres. Mas, ainda que vivesse, era como se não existisse: transformara-se num vegetal. O cérebro estivera demasiado tempo sem oxigénio. Nenhum dos guardas voltou a si, ainda que fossem mais novos do que ele, dir-se-ia que a anoxia lhes quebrara os pescoços.
No resto do Conjunto, ninguém sofrera fosse o que fosse. Uma vez que as luzes se acenderam e o oxigénio voltou, todos ficaram bem, incluíndo os seis violadores e assassinos que se encontravam nos calabouços do quartel. Finn resolveu que fuzilá-los era um castigo demasiadamente leve; por isso tornou-se em juiz e serviu-se dos seus homens como jurados.
Os assassinos foram despidos, atados de pés e mãos e entregues às mulheres do Complexo. Até me sinto agoniado quando penso no que aconteceu em seguida, mas não creio que tenham sofrido tanto como Marie Lyons sofrera. As mulheres são criaturas interessantes - doces, suaves, gentis e muito mais selvagens do que nós.
Quanto aos espias, Adam Selene limitou-se a anunciar que certas pessoas haviam sido empregadas como informadores por Juan Alvarez, o falecido chefe dos Serviços de Segurança da Administração - e deu os seus nomes e endereços.
Um homem conseguiu sobreviver durante sete meses, mudando de abrigo de de nome. No princípio de 77, encontraram-no em Novylen, fora da porta estanque do sul. Mas a maior parte deles durava apenas algumas horas.
Durante as primeiras horas, depois do golpe de Estado, enfrentámos um problema em que nunca havíamos pensado: o próprio Adam Selene. Quem era Adam Selene? Onde estava? Era a sua revolução; tratara de todos os pormenores e todos conheciam a sua voz. Já não necessitávamos de actuar em segredo... portanto, onde estava Adam?
Discutimos isso durante quase toda a noite, no quarto L do Hotel Raffles - entre as decisões que tivemos de tomar sobre centenas de coisas que surgiram e quanto a pessoas que queriam saber o que fazer, enquanto "Adam", através de outras vozes, tratava de outras decisões que não requeriam discussão, compunha informações falsas para a Terra, mantinha o Conjunto isolado e faziam muitas outras coisas. (Não há dúvida: sem o Mike não nos teríamos apoderado da Lua nem a teríamos conservado.)
Por mim, pensava que o Professor devia tornar-se em "Adam". Fora sempre o nosso teórico e o nosso planeador; toda a gente o conhecia; alguns dos elementos mais importantes da nossa Organização, sabiam que era ele quem se ocultava sob o pseudónimo de "Bill" e todos os outros respeitavam o Professor Bernardo de la Paz - palavra de honra, ensinara metade dos principais cidadãos da cidade de Luna, muitos de outros abrigos e era conhecido de todas as pessoas importantes da Lua.
O Professor disse:
- Não!
- Porque não? - perguntou Wyoh. - Professor, optámos por si. Diz-lhe, Mike.
- Reservo o meu comentário - disse o Mike. - Quero ouvir o que o Professor tem para dizer.
- Vi que analisaste a minha questão, Mike - respondeu o Professor. - Wyoh, minha querida amiga, não me recusaria se isso fosse possível. Mas não há maneira de tornar a minha voz igual à de Adam - e todos os nossos amigos conhecem Adam pela voz: Mike tornou-a inconfundível exactamente por essa razão.
Pensámos então em fazer o Professor assumir de qualquer maneira a personalidade de Adam, mostrando-o apenas no vídeo e deixando que o Mike transformasse a voz dele na de Adam.
A ideia não foi aceite. Havia muitas pessoas que conheciam o Professor e que o tinham ouvido a falar; a voz e a maneira de falar dele não podiam ser conciliadas com a personalidade de Adam. Depois consideraram a mesma possibilidade quanto a mim... eu e o Mike tinhamos voz de barítono e não eram muitas as pessoas que me tivessem ouvido através do telefone e nenhuma que me houvesse visto no vídeo
Opus-me a isso. Já seria grande a surpresa quando soubesse que eu era um dos principais auxiliares do nosso Presidente; ninguém acreditaria que eu fosse o número um.
Disse-lhes:
-  Temos um recurso. Adam tem sido sempre um mistério, pode continuar a sê-lo. Vê-lo-ão apenas através do vídeo - com uma máscara. Professor, você dará o corpo; Mike, tu darás a voz.
O Professor abanou a cabeça.
- Creio que não haveria uma maneira mais segura de destruir a confiança que têm em nós do que possuir um chefe que usasse uma máscara. Não, Mané.
Falámos em arranjar um actor que interpretasse a figura de Adam. Não havia actores profissionais na Lua, mas dispúnhamos de bons amadores nos Artistas Populares de Luna e na Sociedade do Novy Bolshoi.
- Não - disse oProfessor -, além de necessitarmos de um actor com um carácter muito particular - um que não se resolvesse a ser um novo Napoleão -, não podemos esperar. Adam terá de começar a desempenhar as suas funções amanhã de manhã, o mais tardar.
- Nesse caso - disse eu - você encontrou a resposta. Teremos de fazer uso do Mike e nunca o apresentaremos em video. Só na rádio. Temos de encontrar uma desculpa, mas Adam nunca deve ser visto.
- Sou forçado a concordar - disse o Professor.
- Homem, meu mais velho amigo - disse o Mike - Porque dizes que nunca devo ser visto?
- Ouviste-nos? Mike, temos de mostrar um rosto e um corpo no vídeo. Tens um corpo... mas formado por toneladas de metal. E falta-te um rosto - feliz de ti, que não tens de te barbear.
- Mas porque é que não posso mostrar um rosto, homem? Neste instante estou a mostrar uma voz. Mas não há qualquer som por detrás dela. Posso mostrar um rosto do mesmo modo.
Fiquei tão estupefacto que nem respondi. Fitei o receptor de vídeo, instalado quando haviamos alugado aquele quarto. Um impulso eléctrico é sempre um impulso eléctrico. Electrões a correr atrás uns dos outros. Para o Mike, o mundo inteiro era uma série de impulsos eléctricos, enviados ou recebidos, ou circulando atrás uns dos outros nas suas entranhas.
Disse-lhe:
- Não, Mike.
- Porque não, homem?
- Porque não podes! Tratas muito bem da voz. Isso implica apenas alguns milhares de decisões por segundo, o que nada é para ti. Para formares imagens de vídeo necessitarias, digamos, de tomar dez milhões de decisões por segundo. Mike, tu és fantásticamente rápido. Mas não és tão rápido como isso.
O Mike disse suavemente:
- Queres apostar, homem?
Wyoh exclamou, indignada:
- Se o Mike diz que o pode fazer, é porque o pode! Mané, não deves falar dessa maneira. (Wyoh pensava que os electrões eram coisas semelhantes às ervilhas...)
Concordei a custo:
- Mike, não me sinto disposto a ripostar. Muito bem, queres experimentar? Ligo o vídeo?
- Posso ligá-lo - respondeu ele.
- Tens a certeza que ligarás este? Não irás apresentar o espectáculo a mais alguém?
- Não sou estúpido. Agora deixa-me trabalhar, homem, porque confesso que isto necessita de todo o meu saber.
Aguardámos em silêncio. Depois, o receptor mostrou um cinzento neutro, com um leve vestígio de linhas de varredura. Tornou a enegrecer e então uma luz suave apareceu ao meio e formou áreas nebulosas, claras e escuras, numa forma elipsóide. Não um rosto, mas sim a sugestão dele, como a que por vezes surge nas nuvens que cobrem a Terra.
A imagem tornou-se um pouco mais clara e lembrou-me as fotografias que diziam ser de um ectoplasma. O rosto de um fantasma.
De repente tornou-se nítida, e vimos Adam Selene.
Era a imagem fixa de um homem maduro. Nada havia no fundo; tratava-se apenas de um rosto, como que recortado de uma fotografia. Sim, para mim era Adam Selene. Não podia ser mais ninguém.
Depois ele sorriu, movendo os lábios e o queixo. Passou a língua pelos lábios. Tive medo.
- Que tal pareço eu? - perguntou ele.
- Adam - disse Wyoh -, o teu cabelo não deve ser tão encaracolado. E deve recuar um pouco de cada lado, sobre a testa. Assim, parece que usas um capachinho.
Mike corrigiu a imagem.
- Está melhor?
- Menos mal. E não tens covinhas nas faces? Ia jurar que te apareciam, quando ris entre dentes. Como o Professor.
Mike-Adam voltou a sorrir-se. Dessa vez, apareceram-lhe as covinhas.
- Como devo vestir-me, Wyoh?
- Estás no teu gabinete?
- Ainda estou. Nem podia deixar de ser, numa noite como esta. - O fundo tornou-se cinzento e depois surgiu em foco e a cores. Um calendário de parede, atrás dele, indicava a data: quinta-feira, 19 de Maio de 2076; um relógio indicava a hora exacta. Junto ao cotovelo dele via-se um copo de papel, com café. Na secretária estava uma imagem sólida, um grupo de família: dois homens, uma mulher e quatro crianças. Ouvia-se o ruído da Praça da Redoma Velha, abafado, mas mais alto que o usual. E também gritos e, à distância, alguém que entoava uma das canções do Simão.

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