nº 61 - A Superfície do Planeta


Autor: Daniel Drode
Título original: Surface de la Planète
1ª Edição: 1959 
Publicado na Colecção Argonauta em 1961
Capa: Lima de Freitas
Tradução: Mário Henrique Leiria

Súmula - foi apresentada no livro nº60 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta:

A radioactividade libertada pelas bombas "H" infestou a superfície do planeta. A civilização necessita de encontrar um local onde a sobrevivência ainda seja possível. Como descobrir, numa superfície da terra infestada por esse veneno invisível e potentíssimo, um local, um único que ofereça refúgio ao que resta ainda duma cultura, duma civilização, dos homens?
Esse local é o subsolo. É no interior da terra que uma máquina prodigiosa jaz instalada, tão complexa ou perfeita que o seu próprio autor ou autores lhe deram o nome de Sistema.
Aí, cada homem vive instalado numa célula própria, isolado da superfície, isolado dos outros, completamente só, em total dependência e sujeição do Sistema. A solidção é  a condição da sua sobrevivência. O homem é produzido para estar de acordo com o Sistema e os maquinismos apenas promovem a subsistência do homem porque essa é a justificação viva e humana da civilização que aquele representa.
Que acontece, porém, quando o Sistema começa a falhar? Instalado no seu sofá automático, o homem apenas tem uma noção arbitrária do tempo, do correr da realidade, pela ejecção sucessiva e regular de pastilhas alimentares. Todo o restante condicionamento artificial  só é de molde a permitir uma única constatação de existência, em si mesma anti-dinâmica. A contradição, o erro e o absurdo manifestam-se quando o maquinismo de distribuição de pastilhas começa a funcionar irregularmente e as geradoras de ar condicionado e de produção de líquido deixam de funcionar.
Por caminhos obscuros, escusos e desconhecidos túneis de ascensão à superfície do Planeta, começa então o êxodo dos humanos. Agora é o humano que procura sobreviver, sendo para isso forçado a abandonar o Sistema. Sinal de libertação, esse êxodo é também o sinal de contacto: cada humano não está mais só, é forçado ao contacto com os seus semelhantes.
Mas só com os seus semelhantes? A subida para a superfície irá forçá-los ao contacto com a Natureza, realidade obsoleta e inexistente no Sistema e com os superficiais, seres que sobreviveram à peste radioactiva.
Aí, novamente os celulares representados na figura central, terão oportunidade de constatar que a sobrevivência é uma eterna fuga e uma eterna oposição e luta ao ambiente. A teoria da adaptação parece definitivamente ultrapassada.
Como poderão os humanos, agora privados duma organização pré-estabelecida de preservação, continuar a sobrevivência?
Como poderão viver uma realidade e suportar o contacto dos superficiais?
Que significado tem essa libertação do Sistema?
Mas... questão crucial: terá essa libertação sido efectiva e realizada, ou não passará apenas de uma reminiscência mental do passado, prolongada no futuro através da talvez única e verdadeira libertação possível: a realização através do pensamento?
Eis o que o leitor só poderá conhecer nas últimas linhas deste excepcional e espantoso romance a quem foi atribuído o Prémio Júlio Verne de 1959, o mais alto galardão atribuído em França a um romance de Ficção-Científica.
Estaremos em face dum romance de pura ficção-científica ou ele encerra mais do que isso: uma dolorosa antecipação científica? A própria linguagem e estilo inéditos que o autor usa, contribuem para colocar o leitor perante uma angustiante questão que exige dele uma atitude activa: estará perante uma antecipação autêntica, que não é de todo inverosímil?
Finalizamos usando as próprias palavras de Drode, numa recente entrevista dada aos jornais:
- À maneira de Kafka - diz-nos o escritor - não senti necessidade de atribuir nomes às figuras do meu livro. Quis dar, assim, a ideia de indeterminação com pleta, não porque goste do processo, mas porque é mais significativo de um sistema de vida que não deixa lugar à individualidade sobre nenhuma forma.
E mais adiante, acrescenta:
- Há em A Superfície do Planeta uma aspecto satírico, não à maneira de Swift ou Huxley, que fizeram a sátira do homem de uma época, mas mamis radical: quis fazer a sátira do próprio Homem fora do tempo.

Nota do Tradutor:

Parecerá ao leitor desprevenido que a alguma dificuldade de leitura deste livro provêm de uma tradução deficiente e de uma série de "gralhas" gráficas. Tal não é a realidade porém. O autor assim o quis, e o tradutor respeitou-o. Este livro que, conquanto difícil (ou mesmo por ser difícil) obteve o mais alto prémio de F.C. em França, o Prémio Júlio Verne de 1959, deu origem a uma série de controversas nos meios da crítica literária francesa. Houve quem lhe chamasse o Kafka da F.C. e, quanto a nós, bastante acertadamente. A linguagem usada pelo autor, uma linguagem por um lado curiosamente barroca e por outro inesperadamente inovadora, pretende (segundo o próprio autor, numa entrevista concedida à imprensa francesa) interpretar uma provável linguagem do futuro. Assim, teremos até o aparecimento de palavras inventadas e de palavras grafadas de uma maneira inusual, assim como uma disposição gráfica que poderá chocar os mais ortodoxos. Não nos esqueçamos portém que, sem ser  em F.C. (ou será?), já Faulkner tem usado um sistema paralelo em alguns dos seus romances.
Portanto, e dadas as dificuldades que a tradução apresentou, o tradutor, querendo respeitar um autor que efectivamente o merece, usou um sistema que, seguindo fielmente o original, adapta a linguagem portuguesa e os jogos de palavras da mesma à cadência e ao ritmo do original. SE o conseguiu, compete ao leitor julgá-lo.

1 comentário:

  1. Meus caros
    Mais FC francesa, mas com uma variante "global": esta história foi contada de várias formas e com diversos artifícios de escrita e de "decoração" mas foi um dos guiões mais populares entre os autores dos anos 50 e 60.
    Vários deles foram publicadas em colecções de FC portuguesas e brasileiras (que também se vendiam cá). Quem teria sido o autor original da ideia?
    O tema é como seria de esperar fruto das preocupações com o "aftermath" da guerra nuclear e os seus efeitos no planeta e nas pessoas. Hoje chamar-lhe-íamos um tema Ambiental...
    Abraço
    Augusto Mouta

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