nº 381 - Anticorpos



Autor: David J. Skal
Título original: Antibodies
1ª Edição: 1988
Publicado na Colecção Argonauta em 1989
Capa: A. Pedro
Tradução: Samuel Soares 

Súmula - Foi apresentada no livro nº380 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

Anticorpos, de David J. Skal, é um dos livros apresentados e seleccionados por Isaac Asimov que o considerou, mais do que modelar, uma autêntica novidade no campo da ficção-científica. Terrível no que pode pressagiar, Anticorpos conta-nos a estranha história, ou aventura, dependente dos progressos imponderáveis da tecnologia, daqueles que pretendem anular, finalmente, as barreiras que separam o homem da máquina.
Tal como os transsexuais que se sentem enclausurados no corpo do sexo oposto, estes anticorpos tentam substituir completamente a sua estrutura corpórea, outrora talvez necessária, escapando, por fim, da sua complexa prisão de carne.
O que no livro fabuloso se discute, será, em suma, o princípio da imortalidade? Ou, pelo contrário, pressagia, como nenhum outro, um universo insuspeitadamente novo da medicina, da ciência e da técnica?

Introdução

Inveja do Computador - (Isaac Asimov)

À medida que vamos envelhecendo, temos tendência a perceber que as várias partes do nosso corpo se estão a desgastar. É triste, mas inevitável. Se o leitor é por acaso jovem e acha isto difícil de acreditar, estou sempre a tempo de lhe recomendar: "Espere e veja!"
Na verdade, não deveríamos queixar-nos. Os objectos inanimados e mesmo os artefactos humanos que não dispõem de partes móveis (as estátuas, por exemplo), podem existir razoavelmente imutáveis muito bem, muito mais tempo do que nós, mas tudo o que se move envelhece, habitualmente muito mais depressa que nós, só se podendo evitar ao preço de permanecer inanimado e sem nada para fazer.
Entre os seres viventes, nenhum mamífero vive tanto, em média, como os humanos e somente os animais conseguem melhores resultados (as tartarugas, por exemplo), quando são de sangue frio e vivem muito lentamente. As plantas ainda existem mais tempo e mais passivamente. 
Os objectos inanimados com partes móveis, também. Um relógio, uma máquina de lavar, ou um automóvel que sejam tão velhos como eu e não tenham sido reparados, não é provável que funcionem bem.
No entanto, o que interessa é que podem ser consertados. Pouco a pouco, pode-se substituir esta peça de um automóvel, depois aquela (os pneus, o motor, os faróis), até nenhuma delas ser exactamente a que existia quando o automóvel foi comprado e, contudo, haverá uma certa continuidade.
Porque não se poderá fazer isso ao corpo?
O organismo fá-lo de facto. Os cortes e lacerações curam-se, os ossos partidos soldam, etc. A capacidade para tais coisas diminui, no entanto, com a idade, e eventualmente, o corpo gasta-se de formas que não se repararão espontaneamente, pelo que, se se evitarem infecções ou acidentes, morrer-se-á de uma ou outra forma de degeneração.
A tecnologia vem em nosso auxílio. Os dentes estragam-se (são a única parte do corpo vivo que o faz) de forma irreversível. Nos velhos tempos, isso significava a eventual perda da dentadura, toda ela. Agora, amálgamas de metal preenchem as cavidades deixadas pelos dentes apodrecidos. Pôr-lhes uma massa especial, chumbá-los ou laquear-lhes os canais, torna mais provável não se perderem os dentes.
Eu, por exemplo, uso lentes de vidro na frente dos meus olhos, para complementar as lentes naturais que se encontram dentro deles. Na verdade, quando as minhas artérias coronárias se entupiram perigosamente, há alguns anos atrás, os cirurgiões enxertaram-me artérias e veias substitutas em volta das zonas bloqueadas (usando parte das minhas próprias artérias e veias com essa finalidade), a fim de providenciarem para que o meu coração continuasse a receber um adequado fornecimento de sangue.
Obviamente, seria óptimo se ainda pudéssemos fazer melhor que isso. Existe o coração Jarvik, que é capaz de funcionar durante um período em que se aguarda por um órgão para transplantação. Não seria bom, contudo, se possuíssemos um coração mecânico mais permanente, com energia auto-contida, e que durasse séculos? 
Idem, idem, quanto a transplantações do fígado, dos olhos, e assim sucessivamente.
De facto, na minha história O Homem Bicentenário, entrava como figura principal um robot que se tornava cada vez mais humano, até desenvolver a capacidade humana final da morte degenerativa. Em segundo plano (não o pus muito em evidência), surgiam seres humanos que estavam a aprender a acrescentar a si mesmos cada vez mais próteses, a fim de evitar, ou, pelo menos, retardar a morte degenerativa.
A ideia não totalmente expressa, era que os robots se viriam a tornar mais parecidos com os seres humanos e que estes se assemelhariam mais a eles até que, por fim, ninguém poderia detectar qualquer diferença.
Estas ideias não são novas, é claro. Seguramente se anteciparam à ficção-científica. Em Pinóquio, temos o caso de uma marionette  viva (tão parecida com um robot como seria de esperar) que é bem sucedida ao transformar-se num rapaz, por intermédio da sua lealdade e bravura. Em contrapartida, temos O Feiticeiro de Oz, em que um lenhador, incrivelmente desajeitado, mutila acidentalmente os membros com o seu machado e é reconstruído em metal, e que nos dá o Lenhador de Lata, claramente uma versão mais permanente de si próprio.
Se olharmos para trás, para os mitos gregos, encontraremos os vestígios de transplantações mecânicas. Num dos menos simpáticos desses mitos, Tântalo, um rei de Argos, é descrito como íntimo dos deuses. Em determinada ocasião em que os convidara para um banquete no seu palácio, decidiu testar a omnisciência deles matando o filho, Pelops, e servindo-lhes os respectivos restos mortais na refeição.
Os deuses aperceberam-se, é claro, do que fizera, trouxeram Pelops de novo à vida e mandaram que Tântalo fosse torturado em Tártaro. Aí, foi forçado a meter-se em água até ao pescoço, com deliciosos frutos a balançarem em frente da sua cara. Mas, quando se inclinava para beber, o nível da água baixava e, quando se esticava para a fruta, ela afastava-se (daí a palavra "tantalizante").
Contudo, durante o banquete, a deusa Demeter, estupefacta com a perda da sua filha Perséphone para o deus do mundo subterrâneo, encontrava-se distraída e comeu por acaso uma porção do ombro esquerdo de Pelops. Os deuses, por conseguinte, substituíram a parte em falta por próteses de marfim, o que me parece bastante justo.
Mas ficariam os seres humanos satisfeitos por verem os seus corpos complementados ou mesmo substituídos por análogos mecânicos? Pessoalmente, acho que sim. Actualmente já não rejeitam tais coisas. Não recusam, por questão de princípio, chumbar os dentes, usar óculos para melhorar a visão, aceitar implantações das articulações da bacia, pacemakers, pernas artificiais, etc.
Na verdade, suspeito de que, se tais dispositivos fossem marcadamente mais eficientes ou mais duradouros do que os órgãos "autênticos", as pessoas formariam filas para os adquirirem. Gardner Dozois, relembrando o velho Sigmund Freud, chama a isso a "inveja do computador" e a mim parece-me precisamente o termo correcto para o designar.
Em Anticorpos, David J. Skal lança um arrepiante olhar sobre as derradeiras consequências daquilo a que tudo isto pode estar a levar-nos... e provoca-nos uma sensação de inquietação.

Isaac Asimov
                                                                                        Esta tarde, à luz do Sol, 
                                                                                        Vi uma jovem à espera de um carro eléctrico, 
                                                                                         acompanhada pelo seu corpo. 
  
                                                                                                                                         René Magritte 
O Homem Bicentenário (existe edição nacional em dvd)
                                                                                                                       
 

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