nº 300 - O Mistério de Valis 1



Autor: Philip K. Dick
Título original: Valis
1ª Edição: 1981
Publicado na Colecção Argonauta em 1982
Capa: A. Pedro
Tradução: Eurico da Fonseca 


Súmula - Foi apresentada no livro nº299 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

De Philip K. Dick, diz John Brunner que é "o mais consistentemente brilhante autor de ficção-científica no mundo". Para Normam Spinrad, "ele produziu o conjunto de obras mais importante entre todos os escritores de ficção-científica". E para Michael Mordock, "Dick está calmamente a produzir ficção séria numa forma popular; não pode haver louvor maior".
O Mistério de Valis (versão portuguesa de Valis), é uma obra muitíssimo séria, ainda que pareça simplesmente louca. Mas a loucura - a loucura da espécie humana - será algo tão simples como se pensa?
Por razões técnicas, O Mistério de Valis será dividido em dois volumes.
Eis o início do primeiro volume de O Mistério de Valis

O colapso nervoso de Horselover Fat começou no dia em que recebeu o telefonema de Glória perguntando se ele tinha alguns Nembutales. Ele perguntou para que os queria ela e ela respondeu que pensava em matar-se. Estava a telefonar a toda a gente que conhecia. Agora já tinha cinquenta, mas precisava de mais trinta ou quarenta para estar certa que não falhava.
Horselover concluiu imediatamente que era a maneira de ela pedir auxílio. Fat sofria há anos da ilusão de que podia ajudar pessoas. O seu psiquiatra dissera-lhe uma vez que ficaria bem se fizesse duas coisas: largar a droga (o que ele não fizera) e deixar de tentar ajudar as pessoas (ele continuava a tentar ajudar pessoas). 
Na verdade, ele não tinha Nembutales. Não tinha quaisquer pílulas para dormir. Tomava excitantes. Portanto dar a Glória pílulas para dormir com as quais ela se pudesse matar, estava para além dos seus poderes. De qualquer modo, ele não o teria feito se o pudesse fazer.
- Tenho dez - respondeu ele. Porque se lhe dissesse a verdade, ela desligaria.
- Então vou no carro a tua casa - respondeu Glória numa voz calma, racional, a mesma voz com que pedira as pílulas.
Então ele compreendeu que ela não estava a pedir auxílio. Estava a tentar morrer. Estava completamente doida. Se estivesse sã de espírito compreenderia que era necessário ocultar a sua intenção, pois que daquela maneira ela o tornaria culpado de cumplicidade. Porque, para ele concordar, necessitaria de a querer morta. Não havia motivo algum para ele, ou qualquer outra pessoa, desejar isso. Glória era gentil e civilizada, mas deixara-se cair um pouco no ácido. Era óbvio que o ácido, desde a última vez que ele tivera notícias dela seis meses atrás, destruíra o seu espírito.
- Que tens feito? - perguntou Fat.
- Tenho estado no Hospital do Monte Sião em São Francisco. Tentei suicidar-me e a minha mãe internou-me. Deram-me alta a semana passada.
- Estás curada? perguntou Fat.
- Sim - respondeu ela.
Foi então que Fat começou a ficar maluco. Então ele ainda não sabia disso, mas fora arrastado para um jogo psicológico inaudito. Não havia maneira de fugir a ele. Glória Knudson tinha-o destruído, a ele, o seu amigo, juntamente com o cérebro dela. Provavelmente ela destruíra também seis ou sete outras pessoas, todos amigos que a adoravam, até ali, com semelhantes conversas telefónicas. Sem dúvida que destruíra também a mãe e o pai. Fat ouvira no seu tom racional a harpa do niilismo, o toque do vácuo. Não estava a lidar com uma pessoa; tinha uma coisa de reflexo de arco no outro extremo da linha telefónica.
O que ele não sabia é que por vezes enlouquecer é uma resposta adequada à realidade. Ouvir a racionalidade de Glória ao pedir a morte era inalar o contágio. Era uma armadilha chinesa para os dedos, onde com quanto mais força se puxa, mais apertada a armadilha se torna. 
- Onde estás agora? - perguntou ele.
- Modesto. em casa de meus pais.
Como ele vivia no condado de Marin, ela teria de conduzir durante algumas horas. Poucas razões o teriam levado a fazer tal viagem. Aquilo era outra demonstração de loucura; três horas de viagem de ida e outro tanto de volta para dez Nembutales. Porque não estoirar com o carro? Glória nem sequer permitia que o seu irracional actuasse racionalmente. Obrigado, Tim Leary, pensou Fat. A ti e à tua promoção de alegria da expansão da consciência através da droga.

Introdução:

A introdução reproduz na íntegra o texto da súmula. 

Nota: este volume é o último da série com as capas prateadas. A partir do nº 301, as capas passam a ser azuis. 

Colecção Argonauta do nº251 ao noº300

 

1 comentário:

  1. Tenho estes dois exemplares e ainda hoje oe leio com prazer. Livros enormes de um autor intemporal.

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