nº 546 - O Sinal do Unicórnio



Autor: Roger Zelazny
Título original: Sign of the Unicorn
1ª Edição: 1975
Publicado na Colecção Argonauta em Agosto de 2003
Capa: António Pedro
Tradução: Elsa T. S. Vieira
Revisão: Dália Moniz

Súmula - foi apresentada no livro nº545 da Colecção, com a indicação de "Ler nas páginas seguintes a súmula do próximo volume da Colecção Argonauta":

Ignorei as perguntas mudas nos olhos do moço de estrebaria enquanto pegava no meu sinistro farto e entregava o cavalo aos seus cuidados. A minha capa não conseguia esconder completamente a natureza do seu conteúdo, quando coloquei a trouxa ao ombro e me encaminhei com passos pesados na direcção da entrada das traseiras do palácio. Em breve rebentaria a confusão.
Passei ao largo da área de exercícios e dirigi-me ao palácio. Havia menos olhos por esse lado. Seria avistado na mesma, mas seria muito menos embaraçoso do que entrar pela porta da frente, onde as coisas eram sempre mais movimentadas. Maldição. 
E novamente maldição. Considerava-me já amplamente fornecido de problemas. Mas os que os têm parecem sentir-se sempre assim. Alguma forma espiritual de juros compostos, suponho.
Havia alguns ociosos junto à fonte no lado mais distante do jardim. Dois guardas passavam também entre os arbustos perto do trilho. Os guardas viram-me aproximar, travaram uma breve discussão e olharam na direcção oposta. Prudentes. 
Eu, regressado à menos de uma semana. A maior parte das coisas, ainda por resolver. A corte de Âmbar, cheia de suspeita e agitação. E agora isto: uma morte para pôr ainda mais em risco o breve e infeliz reinado de Corwin I: eu.
Era agora altura de fazer algo que devia ter feito imediatamente. Mas houvera tantas coisas para fazer, desde o princípio. Não que eu tivesse estado a dormir, na minha maneira de ver. Tinha estabelecido prioridades e agira de acordo com elas. Mas agora...
Atravessei o jardim, saindo da sombra para debaixo dos raios oblíquos do sol. Subi a escadaria larga e curva. Um guarda pôs-se em sentido quando entrei no palácio. Dirigi-me às escadas das traseiras, depois subi para o segundo andar. Depois para o terceiro.
À minha direita, o meu irmão Random saiu da sua suite para o corredor.
- Corwin! - exclamou, estudando o meu rosto. - Que se passa? Vi-te da varanda e...
- Lá dentro - disse, indicando com os olhos. - Vamos ter uma conferência particular. Já. 
Ele hesitou, olhando para o meu fardo.
- Duas salas mais acima - disse ele. - Pode ser? Viaille está aqui.
- Muito bem.
Ele foi à frente, abriu uma porta. Entrei na pequena sala de estar, procurei um sítio adequado, larguei o corpo.
Random olhou para a trouxa.
- O que queres que eu faça? - perguntou.
- Desembrulha a mercadoria - respondi, - e dá uma vista de olhos.
Ele ajoelhou e abriu a capa. Voltou a fechá-la.
- Está morto, sem dúvida - observou. - Qual é o problema?
- Não olhaste com atenção - disse. - Abre-lhe uma pálpebra. Abre-lhe a boca e olha para os dentes. Sente os espigões nas costas das mãos. Conta as articulações dos dedos. Depois diz-me qual é o problema.
Ele começou a fazer estas coisas. Assim que olhou para as mãos, parou e acenou com a cabeça.
- Está bem - disse. - Já me recordo.
- Recorda-te em voz alta.
- Foi em casa da Flora...
- Aí foi onde eu o vi pela primeira vez alguém assim - interrompi - Mas andavam atrás de ti. Nunca cheguei a saber porquê. 
- É verdade - disse ele. - Nunca tive oportunidade de te contar. Não estivemos juntos muito tempo. Estranho... De onde veio este?
Hesitei, dividido entre arrancar-lhe a sua história e contar-lhe a minha. A minha venceu porque era minha, e muito imediata.
Suspirei e deixei-me cair numa cadeira.
- Acabámos de perder outro irmão - disse. - Caine está morto. Cheguei um pouco tarde demais. Essa coisa.... essa pessoa... matou-o. Tentei apanhá-lo vivo, por razões óbvias. Mas ofereceu bastante resistência. Não tive outra alternativa. 
Ele assobiou suavemente e sentou-se na cadeira em frente da minha. 
- Compreendo - disse, muito suavemente.
Estudei o seu rosto. Seria aquilo o mais leve dos sorrisos, à espera nas alas para entrar e se encontrar com o meu? Muito possivelmente.
- Não - disse sem entoação. - Se as coisas não se tivessem passado assim, teria arranjado forma de haver muito menos dúvidas quanto à minha inocência. Estou a contar-se o que realmente aconteceu.
- Está bem - disse ele. - Onde está Caine?
Debaixo de uma camada de relva, perto do Bosque do Unicórnio.
- Só isso já parece suspeito - disse ele. - Ou poderá parecer. Aos olhos dos outros.
Acenei.
- Eu sei. Mas tive de esconder o corpo e de o cobrir, por enquanto. Não podia simplesmente trazê-lo e esquivar-me às perguntas. Não quando há factos importantes à minha espera, dentro da tua cabeça.
- Muito bem - disse ele. - Não sei até que ponto poderão ser importantes, mas são todos teus. Não me deixes em suspense, está bem? Como é que isto aconteceu?
Foi logo a seguir ao almoço - contei. - Eu tinha comido no porto, com Gérard. Depois, Benedict trouxe-me através da sua Figura. Quando regressei aos meus aposentos, encontrei um bilhete que aparentemente tinha sido enfiado por baixo da porta. Pedia um encontro privado, mais ao fim da tarde, no Bosque do Unicórnio. Estava assinado "Caine". 
- Ainda tens o bilhete?
- Sim -tirei-o do bolso e estendi-lho. - Toma.
Ele estudou-o e abanou a cabeça.
- Não sei - disse. - "Pode" ser a letra dele... se estivesse a escrever à pressa... mas não creio que seja.
Encolhi os ombros. Ele devolveu-me o bilhete, que dobrei e guardei.
- De qualquer modo, tentei contactá-lo através da sua Figura, para poupar a viagem. Mas ele não estava a receber. Pensei que fosse para manter o segredo quanto ao seu paradeiro, já que era assim tão importante. Por isso, arranjei um cavalo e fui até lá. 
- Disseste a alguém onde ias?
- Nem a uma alma. Mas decidi exercitar o cavalo, pelo que fiz o caminho a boa velocidade. Não vi o que aconteceu, mas quando entrei no bosque vi-o ali caído. Tinha a garganta cortada e os arbustos estavam remexidos a alguma distância dele. Persegui o tipo, saltei sobre ele, lutámos e tive de o matar. Não travámos qualquer conversa enquanto isto decorria.
- Tens a certeza que apanhaste o tipo certo?

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